1946, um ano após o término da 2ª Guerra Mundial e nascia uma obra que não só marcaria uma época e a historia do cinema, como sobreviveria ao longo das eras. Não estou exagerando não, estou falando da obra prima inigualável de Frank Capra, “A felicidade não se compra”.
O título é bastante utópico, sugere aquela temática ideológica de “coisas que realmente têm importância na vida de um ser humano” e de cara, só com esse título você já se enche de preconceitos dizendo que vai ser mais um filme bobo com aquele final romantizado e enfadonho, é isso que pensamos.
E na realidade é mesmo tudo isso, o que na realidade difere ele de tantos outros e o faz uma obra prima, como realmente o é, justamente o fato de ser universalizante, atemporal, desprovido de um tempo específico, época ou politicidade, é simplesmente “eterno” no sentido de que, nunca está “fora de moda”. E a forma como foi feita, escrita e dirigida é que faz toda a diferença
Como pode um filme de 64 anos, pra ser mais exata, completamente nostálgico e utópico, sobreviver a tantos paradigmas como o tempo, a idade, a modernidade e as inovações tecnológicas, a banalização do ser humano? E sobrevive com prestigio.
Outra diferença que vejo num filme principalmente como este (em suma, quase todos os filmes de Capra), é o roteiro esplêndido que possui. É interessante pensar que naquela época não havia tantos recursos de filmagem para “brincar” com as câmeras e os efeitos técnicos, a imagem preto e branco limitava a fotografia também que ora poderia ser mais rica em brilho, ou mais fosca, abusar nas cores, ou apenas sublinhá-las em alguns momentos, enfim, nada disso ainda era totalmente possível, ou pelo menos o efeito que se poderia esperar, porém, com isso, os filmes eram mais ricos em “conteúdo”, história, afinal um roteiro bem escrito e bem desenvolvido é a alma de uma obra cinematográfica.
Também era possível trabalhar melhor com os atores, desenvolver ainda mais suas performances, tudo deveria ser perfeito, pois as câmeras não eram tão sofisticadas para dar um ou outro efeito.
É o que temos em “A felicidade não se compra”, um excelente roteiro, que permite aos atores crescerem junto a seus personagens ao longo das cenas, é bem escrito, bem desenvolvido, nada é em excesso, tudo é genialmente exposto a nós, como um quadro, um livro ou uma música, que em si, nos causa sensações incríveis que só a arte permite sentir. A trilha sonora existe também para completar ainda mais o que já está belo. Quem não conhece a música “Buffalo gal..."? Clássica nas telonas, que ouvimos sempre em um ou outro filme e há pessoas que nem imaginam sua origem.
Outra coisa boa no filme é o grande James Stuart, um dos maiores atores de sua geração que se tornou um ídolo de outras também, enriquece a obra, seu brilho e simpatia são únicos, com certeza um George Bailey não teria sido feito com tanta magestria e vida sem Stuart, assim como Donna Reed no papel de Mary, sua beleza irradia nas telas, encantando a todos com uma atuação belíssima.
O filme é completamente humanista, narrado na época de natal ainda, o ideal transmitido é real, seja nos sonhos ambiciosos de George, seja no próprio medo dele em abandonar as origens para ir em busca destes sonhos; seja na dedicação e no amor de Mary pelos filhos e o esposo ao ponto de transformar as dificuldades em conto de fadas, seja no egoísmo e a ganância por dinheiro do Sr. Potter, ou na simpatia e bom humor de Clarence (o anjo enviado para ajudar George), tudo é humano, ate mesmo aquilo que não é humano se caracteriza como tal, que categoricamente remete a nós mesmos, seres humanos.
E por que tudo isso sobreviveu ao tempo e às eras? Porque tudo que mudou não conseguiu mudar o ser humano e todos seus anseios, sonhos, ambições, o egoísmo, os amores e principalmente a esperança. E como o próprio Clarence declara no filme, “George Bailey você recebeu a dádiva e a oportunidade de saber como seria a vida e as pessoas sem você no mundo, como se nunca tivesse nascido”. (Paráfrase minha)
Não vou contar detalhes do filme, pois vale a pena assisti-lo em cada minuto, só posso dizer que assistindo-o, nunca mais se esquecerá dele.
E com tudo o que falei, preciso ainda compartilhar a conclusão e reflexão a que cheguei, vendo um filme de Capra, sempre me pergunto, o que é melhor para o cinema? Grandes efeitos, imagem e som de ultima geração, técnicas de filmagem e toda tecnologia possível, contudo, roteiros fracos e medíocres como são em grande parte as produções atuais? Ou quem sabe, nem tantos efeitos e recursos assim, porém grandes historias e diálogos inteligentes, roteiros que ficam marcados em nossas lembranças?
A felicidade não se compra não só é um filme belo, emocionante e singular, como também uma obra prima do cinema, que faz parte a cada dia da história e evolução da 7ª arte; o filme não fez tanto sucesso em sua época, não obteve os devidos méritos, mas a cada ano que se passa, cada geração que atravessa se eterniza, quanto mais velho, mais se torna reconhecido e continua emocionando e marcando muita gente. Os críticos concordam comigo, não há filme igual, aliás, Frank Capra, em seu estilo, foi único também. Filmes como estes, nos aproximam ainda mais da nossa necessidade de estar em constante contato com a arte, refletida em nós mesmos.
Ótima crítica!