Comparado aos seus filmes anteriores, Ensaio Sobre a Cegueira é um pequeno passo atrás na carreira de Fernando Meirelles, já que ele não repete a mesma maestria narrativa e nem tem atores com interpretações fortes o suficiente como Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel. Não que este filme não seja forte - e é mais do que as obras citadas. Trata-se de uma perfeita análise do ser humano visto em seu estado primitivo, despido de qualquer valor moral em uma situação limite onde o pior de cada um aflora. A mensagem é clara: enquanto vemos, somos cegos ao que há de ruim na alma humana. Cegos, vemos o que temos de pior - e a representação desse inconsciente fica a cargo do personagem de Julianne Moore, que é a única que ainda enxerga. Nisso, o final é perfeito. Quando o primeiro a ficar cego volta a enxergar, todos ficam esperançosos que voltarão a enxergar também. Já a personagem de Moore percebe que com isso, ficará cega. Cega diante da realidade. Cega diante do ser humano.
Há que se destacar também o fato de que nenhum personagem tem nome. São todos seres humanos iguais quando postos à prova. Desde o ladrão, o médico, a ministra da saúde, a prostituta e até mesmo o cego de nascença. A obra de José Saramago, que por muito tempo foi classificada de "infilmável", ganha toda a ressonância pelas mãos de Meirelles. O que precisa ser dito, é dito. O que precisa ser mostrado, é mostrado. Muito embora pareça uma distopia pós-apocalíptica (especialmente quando os personagens saem do sanatório), não são apresentadas soluções ou mesmo analogias com o mundo contemporâneo. É apenas uma reflexão sobre o homem e como ele se despe de moralidade. Isso fica ainda mais claro quando o personagem de Gael García Bernal toma para sua ala o controle da comida, a qual deverá ser trocada por qualquer coisa que valha. Não havendo mais o que trocar, as mulheres viram pagamento para a ração diária.
Apesar de não ser genial como nos filmes anteriores, Meirelles usa de grandes e fortes imagens para construir essa adaptação. Colaboram com ele a fabulosa montagem de Daniel Rezende e a fotografia branca de César Charlone, a qual pode cansar em alguns momentos, enquanto em outros ela se encaixa perfeitamente nas cenas. Todos os atores entregam grandes interpretações, desde Moore (impecável), Ruffalo (muito bem), Bernal (fantástico) e Alice Braga (linda).
É um filme duro, difícil em alguns momentos, mas altamente reflexivo sobre nossa condição humana. Tradução impecável da obra de Saramago.
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