Sabe quando você vê um filme e nem precisa esperar subir os créditos para identificar quem é o diretor? Quentin Tarantino é um desses caras, de talento único e estilo facilmente reconhecível. Fazem parte do seu extenso repertório os roteiros nada lineares e banhos de sangue bem abundantes. Nesse ponto, aliás, Tarantino não decepciona os sanguinários de plantão, e mesmo seus personagens mais inspiradores passam por maus bocados. Algumas vezes o excesso de sangue jorrando das veias toma lugar das visceras escapando dos corpos, o que de certa forma até suaviza o conteúdo da trama; e vou mais além: no caso de "Kill Bill", essa brincadeira com o sangue torna o filme até mais divertido, com uma ótima pitada de comédia.
Como todos sabem, o trabalho recebeu inúmeras críticas por ser dividido em duas partes (Volume 1 e Volume 2). Tarantino foi acusado de mercenário, de só pensar no dinheiro, disso e daquilo… particularmente eu penso no contrário. Em um único longa, o diretor teria que fazer muitos cortes para condensar uma obra de mais de três horas em pouco mais de 120 minutos. Seria um trabalho árduo e sacrificante, pois eliminar determinadas passagens deve ser das tarefas mais incômodas para um profissional desse tipo. Assim, o cineasta teve liberdade dentro da produtora, a Miramax, e pôde fazer o que queria: dois longas, completos, sem muitos cortes. Há quem diga, no entanto, que desta maneira "Kill Bill – Volume 1" ficou sem um final decente. Mais uma vez eu penso diferente, pois afirmar isso é o mesmo que recriminar todos os filmes que possuem uma sequência – "Senhor dos Anéis", por exemplo.
Na parte técnica, o longa é exemplar; deveria servir de exemplo para muitos profissionais iniciantes. Tarantino sabe brincar com efeitos de luz, sombra, cores… uma legítima aula de como se fazer cinema. Falando nisso, basta lembrar da cena em que a sempre bela Uma Thurman luta contra uma centena de pessoas (ou quase isso!). O efeito em preto e branco ali usado serve praticamente para suavizar aquele conteúdo excessivamente violento e deveras exagerado – integrante do mundo particular de Quentin Tarantino. Antigamente, esse tipo de recurso servia para que os filmes pudessem passar pela censura, pois sem isso alguns deles jamais seriam aprovados. É com essa brincadeira de referências que o diretor baseia a maior parte de seus trabalhos, inclusive sua obra-prima: "Pulp Fiction".
A saga da noiva heroína (ou anti-heroína, como preferir) que busca se vingar dos seus ex-companheiros tem um roteiro e uma montagem bem semelhantes às cultuadas tramas antecessoras do cineasta. Há quem diga que em "Kill Bill" a ordem dos fatores pouco importa e que se a história fosse contada com linearidade nada seria mudado. Está errado quem fez esse tipo de julgamento, pois basta uma breve analisada com bom senso para que as dúvidas sejam completamente dissipadas. Com linearidade, o filme teria seu ápice muito cedo e um final pouco emocionante – justamente por isso que Tarantino optou pela montagem fora de ordem.
Falando nisso, os 20 minutos finais, que envolvem a já citada luta de Uma Thurman contra os membros da Yakuza, são simplesmente eletrizantes e muito bem dirigidos. A violência nua e crua dos primeiros capítulos dá lugar a um toque mais artístico, mais refinado, fazendo com que o espectador se renda à beleza daquelas pessoas se degladiando, se mutilando, sem que essas cenas se tornem chocantes ou estarrecedoras. Tudo isso ganha forte auxílio de uma belíssima fotografia. Aliás, a parte artística do longa é primorosa, desde os recursos técnicos até o anime que introduz a personagem interpretada por Lucy Liu, que é de uma estética impressionante e extremamente violenta – até mais do que o próprio filme.
"Kill Bill" é uma das primeiras obras-primas dos anos 2000, ao lado da trilogia de J.R.R Tolkien e do gângster "Os Infiltrados" (entre outros). Contribuem para isso a inteligência de Quentin Tarantino, o desempenho pungente de Uma Thurman, um elenco inspirado e uma história envolvente. Tudo isso aliado a uma trilha sonora muito gostosa e adequada - uma das características do diretor. Além disso, o segundo volume mantêm o nível do primeiro episódio, o que é um pouco raro nos dias de hoje. E só para finalizar, uma atriz local pouco conhecida me despertou bastante interesse e achei seu trabalho muito interessante; trata-se da japonesa Chiaki Kuriyama, que dá vida à terrível Gogo Yubari e garante uma das melhores cenas de luta do longa.
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