[reflexão masturbatória sobre críticos, pseudocríticos, cinéfilos e internet]
A liberdade de opinião proporcionada pela internet transforma qualquer excremento mental em conceito e qualquer abobrinha em ensaio literário. Até o momento foram gastas três linhas para te dizer essa besteira e se tu ainda a estiver lendo, advirto-lhe que isso é apenas o começo.
Como todo jeca que vive numa cidade pequena e provinciana, as novidades do grande mundo -sedutor e bem dotado- são aguardadas com ansiedade e, não por acaso, demoram a aparecer. Entre capinadas e batatas descascadas esperei a chegada de Watchmen aqui no meu rancho. Demorou, mas apareceu. O capim já estava perdendo o gosto na boca…
Com o resguardo de ser pré-condicionado, nunca leio críticas antes de assistir ao filme. Após vender meia dúzia de patos para a granja vizinha, consegui o dinheiro necessário para adquirir o ingresso. Tomei um banho, lavei bem as costeletas, coloquei aquela camisa listrada do Daniel e, por fim, pude apreciar uma sessão inédita e atrasada desse tal de Watchmen, a bíblia sagrada das HQs, obra escrita e idealizada por Alan Moore e ilustrada por Dave Gibbons.
Assistida a bagaça, liguei o trator, coloquei o chapéu de palha e voltei pra roça com a sensação de que tinha visto uma das melhores adaptações de quadrinhos já feitas. “Cavaleiro das Trevas é para os escoteiros”, refleti, enquanto trocava a marcha do trator. “Isso sim é que filme de macho, tirando aquela pingola azul do Dr. Manhattan, é claro”, finalizei o raciocínio, no exato momento em que passei por cima de uma galinha.
Lá no rancho -onde não existe wireless, apenas jecaless – liguei o computador e fui conferir se meus amigos críticos tinham experimentado da mesma impressão que a minha. O pessoal do Omelete – não sei se por jabá ou não - adorou. O Pablo Villaça também. Do pouco que entendo de francês que aprendi com uma família de italianos da granja vizinha, o Roger Ebert adorou a produção de Zack Snyder. Já a Boscov e a maioria dos sites “especializados” no assunto torceu o nariz para o filme.
As justificativas foram das mais variadas. O ritmo lento e blá blá blá, a trama artificial e vazia e blá blá blá, é fiel demais aos quadrinhos e blá blá blá, um filme longo demais e blá blá blá, um filme irregular e blá blá blá, a pingola torta do dr. Manhattan e blá blá blá. É compreensível que haja argumentos para criticar e até concordo com alguns. Mas será que esses poucos deslizes conseguem esterilizar toda uma concepção artística extraída de uma mídia e levada para outra com tanta devoção e fervor pelo Zack Snyder?
[ Watchmen – contagem regressiva...]
Sou um leigo em quadrinhos. Uns especialistas em alguma área de alguma coisa a ver com demência ou imaginação, disseram uma vez que ler quadrinhos desenvolve a percepção e a criatividade. Pra não dizer que nunca li nada, tenho perdido em alguma gaveta uma ou duas edições do homem-aranha e uma versão em capa dura das picardias venenosas do Robert Crumb. E mais nada.
O que poucos sabem – e isso inclui eu e minhas plantações de milho – é que Watchmen figura entre as 100 maiores obras de literatura de língua inglesa já escritas. Composta por doze volumes, a graphic novel de Moore e Gibbons se passa num fictício ano de 1985, onde os Estados Unidos saíram vitoriosos da Guerra do Vietnã e o presidente Richard Nixon é eleito pela quinta vez como presidente.
A hegemonia obtida pelos norte-americanos no passado é garantida pelos “vigilantes”, ordem de super-heróis liderada por Dr. Manhattan (Billy Crudup), físico envolvido num acidente nuclear e Ozymandias (Matthew Goode), o homem mais inteligente do mundo. Completam o time, o paranóico e violento Rorschach (Jackie Earle Haley), o lascivo Comediante (Jeffrey Dean Morgan) e ainda Nite Owl II (Patrick Wilson) e Silk Spectre II (Laurie Júpiter), os dois últimos, descendentes da primeira legião de heróis. Entretanto, uma lei sancionada pelo presidente republicano torna ilegal a ação dos vigilantes, encorajando-os a viverem uma vida normal.
Sob a égide da Guerra Fria, o país atinge nos anos 80 o ápice do conflito nuclear com a União Soviética. A tensão mundial é simbolizada por um relógio com os ponteiros fixados em cinco minutos para a meia-noite. Juntá-los na cifra 12 significa o início da 3° Guerra Mundial. Caos, sujeira e violência urbana tomam conta das ruas de Nova Iorque. Quando o Comediante é assassinado, Rorschach decide investigar. Logo se descobre que alguém estaria interessado em matar os super-heróis aposentados. Mas quem? E por quê?
[Quem defenderá os vigilantes?]
Obsessivo-compulsivo no que se refere a quadrinhos, Zack Snyder une o que há de melhor em seus trabalhos anteriores para conceber o óbvio: o melhor filme da carreira. Aprimorando o apelo visual de 300 e com um affair à violência tão inspirado quanto em Madrugada dos Mortos, o cineasta mostra que seus filmes não são meros exercícios de estilo. Em Watchmen cada minúcia visual empregada por Snyder está a serviço da trama. Desde o formato dos olhos do Dr. Manhattan que aguçam seu olhar vazio até as brincadeiras que o diretor faz na introdução – os protestos na cidade, Andy Warhol inserindo os vigilantes na pop art – vão sintetizando a história e se mostrarão verossímeis no desfecho.
Bem-humorado e seguro na condução do filme, o diretor se perde em certos excessos. Tudo bem que fossem necessárias subtramas para compreender o impacto da morte do Comediante e a origem do Dr. Manhattan. Só que ele exagera nesses detalhes para garantir que uns babacas ,como eu, não ficassem babando na tela. Se ele fosse mais econômico nessas biografias, o filme não teria maçantes 2h e 36min de duração. E a narrativa não ficaria tão embolada.
Mesmo assim, o filme é excepcional. A adaptação de HQs mais corajosa já feita. O excesso de violência e as cenas de sexo empurraram a classificação etária para 18 anos. Sinal de que Snyder se importou mais com sua credibilidade do que com a arrecadação nas bilheterias. Talvez seja um pouco desconfortável ver a nudez excêntrica do Dr. Manhattan. Em compensação é impagável outro momento mais carnal; o orgasmo entre Owl e Spectre.
Outra virtude de Watchmen é que cada herói é uma peça-chave da trama. Em termos de atuação Jackie Earle Haley dá um show à parte. A própria reviravolta usada pelos autores originais soa contemporânea nas mãos de Snyder. A leitura política imaginada por Moore e Gibbons é repaginada e ganha contornos nos dias atuais. Mesmo pecando pela demasia, é uma virtude que nem Cavaleiro das Trevas ressoa com tanta relevância. E esta aí, nessa reflexão, a principal força do filme e que fará muitos espectadores receosos –como eu - engolir seus preconceitos: quadrinhos não é coisa de criança…
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