Simplesmente Feliz (Happy Go-Lucky, Mike Leigh, Inglaterra -2008)
Para interpretar a contagiante professora Poppy, a atriz Sally Hawkins precisou buscar muita pureza de espírito. Vestida em roupas espalhafatosas com cores berrantes e botas de couro de cobra, sua personagem parece ter saído de algum filme do Almodóvar, indo parar acidentalmente no espectro cinzento de Londres. Solteira e despreocupada, a protagonista do filme Simplesmente Feliz leva a vida numa boa sem se importar com a rabugice do seu diretor na escola primária e as crises de insegurança da irmã mais nova. Seu jeito maquinal e saltitante, sempre com um sorriso preso no rosto nem sempre contagia as pessoas. Por vezes, surte efeito contrário.
Ao parar numa livraria, onde tenta –sem sucesso, é claro- levantar o astral de um atendente mal-humorado, Poppy tem sua bicicleta roubada. Mesmo sem dar muita importância (exceto pelo fato de “não ter se despedido dela”), o incidente lhe incentiva a fazer a carteira de motorista. Durante as aulas de direção conhece o instrutor Scott (Eddie Marsan), um sujeito mesquinho, irritado e metido a revolucionário que adora praguejar e ver as coisas sempre pelo lado mais difícil. Enquanto tenta recuperar um aluno que se tornou violento o instinto professoral de Poppy se esgueira também na direção do seu instrutor, que a cada aula demonstra mais os seus problemas pessoais, muitos deles com origem na infância. Mas repensar a vida, para algumas pessoas, pode ser uma experiência traumática.
E é justamente esse o mote do filme do diretor britânico Mike Leigh: a felicidade depende de nossas emoções e de como lidamos com ela. Tudo passa por uma aprendizagem e uma disciplina emocional calculada que tanto pode nos fazer crescer como nos derrubar. Olhando de maneira superficial, a professora Poppy tem tudo para nos aporrinhar. Seja numa conversa à toa com um mendigo ou quando se veste de galinha e começa a cacarejar dentro de uma sala de aula, tudo nela parece sem sentido. Acontece que a questão é simples. Amar a profissão com intensidade, ver o lado bom das coisas, sentir-se bem como solteira e não se deixar afetar pela infelicidade das outras pessoas é meramente um instinto de sobrevivência para a protagonista.
Entre escolher a melhor e o pior para si, ela vai pelo óbvio à medida que busca o mesmo para as outras pessoas. O aluno problemático é o mais fácil de ser recuperado. Já o mendigo com problemas mentais é um ser irrecuperável. Seu maior desafio é mesmo com o instrutor Scott que pode ou não redirecionar o seu destino. Pode até soar como um clichê de livros de auto-ajuda, mas Simplesmente Feliz é um belo ode ao aprendizado, seja dentro ou fora de uma sala de aula. Méritos para a talentosíssima Sally Hawkins que fez jus ao Globo de Ouro que recebeu. Ela torna fascinante uma personagem que tinha tudo para ser irritante e inverossímil.
Indicado ao Oscar de roteiro original, Mike Leigh fez de Simplesmente Feliz um contraponto ao gélido antecessor O Segredo de Vera Drake. Um filme otimista e com uma dinâmica interessante que flui sem artifícios ou soluções óbvias de roteiro. O final anticlímax deixa algumas perguntas sem respostas, mas não as que verdadeiramente importam. Em poucas palavras, Simplesmente Feliz é um filme que consegue ser contagiante e cheio de alegria, sem a necessidade de soar escatológico ou apelar ao pastelão para ser engraçado. Coisa rara!
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