“Onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade, e a enfrentar os padrões hipócritas e policiarescos da censura intelectual, aí haverá um germe vivo do Cinema novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a por seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo. A definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se marginaliza da indústria porque o compromisso do Cinema Industrial é com a mentira e com a exploração”.(Glauber Rocha)
Um Brasil oprimido, faminto, injustiçado, milenarista e religioso. Um Brasil retomado sob suas feridas. Deus e o Diabo na Terra do Sol é uma espécie de "cordel falado" onde Glauber Rocha desabafa toda sua personalidade na tela, onde ele não apenas se prende a crítica feroz, como também abre espaço para inovar ante os filmes comercializáveis. Deus e o Diabo na Terra do Sol continua sim merecendo a fama de melhor filme brasileiro de todos os tempos. Glauber Rocha é sim o grande nome do cinema nacional. É, portanto, um filme cada dia mais atual, porque nos mostra a ânsia de um povo, não apenas o sertanejo, mais todo o brasileiro, de um dia o "Sertão virá mar", de um Brasil mias justo.
Deus e o Diabo na Terra do Sol é uma espécie de grande jornada das esperanças de um povo representadas na figura do simples vaqueiro Manuel. Sua jornada se inicia quando devido à empaces com um fazendeiro da região, Manuel se sente lesado e mata o cangaceiro. Em seguida, tendo sua casa atacada por jagunços daqueles, ocasião onde sua mãe acaba morrendo, Manuel decide sair pelo sertão junto de sua esposa. Esperançoso com seu destino, Manuel encontra o líder milenarista Sebastião. As pregações de Sebastião revelavam uma tradição crescente no Nordeste Brasileiro de então: A Formação de Lideranças (vide o exemplo de Antônio Conselheiro em Canudos) baseadas na fé. Tais líderes eram basicamente contra o estabilishment da época: A República faziam provissões apocalípticas, além de uma idéia bem definida sobre um Juízo Final.
Após impaces com sua mulher, cética quanto à eficácia do santo Sebastião, aparece na trama à figura de Antônio das Mortes (Maurício do Valle) que é pago pela igreja a mando dos coronéis da região, incomodados com Sebastião. Das Mortes então decide exterminar todos os seguidores do santo e ao própio.
Depois do ocorrido, entra em cena a figura do cangaceiro Corisco (Othon Bastos - um dos mais talentosos atores globais), o último dos cangaceiros, sobrevivente da emboscada que matou Lampião. Manuel chega a fazer parte do pequeno bando de Corisco, sendo por esse apelidado de Satanás. Chegamos então ao ponto final da trama, quando das Mortes deverá cumprir a missão de por fim a Corisco, nisso, Glauber nos encaminha para uma das melhores cenas da história do cinema brasileiro.
Glauber não apenas consegue fazer um Cinema Novo, que restringisse apenas ao vanguardismo, em Deus e o Diabo na Terra do Sol vemos sim cinema da melhor qualidade, com personagens extremamente bem construídos, com boas interpretações, com boa e situada Trilha sonora com todo o conhecimento por parte do Diretor da Linguagem fílmica, com toda um roteirização eficiente. Nesse sentido, o mérito fica mesmo a cargo da Direção e Roteiro de Glauber. Um desses gênios que tem total domínio sobre a situação do filme, que dirige e roteiriza com liberdade seus filmes.
Pra compor tão genial empreitada, necessitava-se de atores corajosos, igualmente habilidosos. Geraldo del Rey( Pagador de Promessas e A Idade da Terra), como o protagonista Manuel, demonstra toda um segurança ante seu personagem, passando a "inocência" de seu personagem na medida exata, ao mesmo tempo que acompanhando as continuações e mutações de seu personagem diante das querelas passadas no escaldante sol do sertão. Othn Bastos( Pagador de Promessas, São Bernado e Central do Brasil) defende com raiva e raça seu personagem emblemático. Ele é sim o ponto de equilíbrio da Terceira e última parte do longa. Abaixo da média dos dois anteriores, fica a interpretação de Maurício do Valle (Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro), como o matador Antônio das Mortes.
Pontuando com maestria, temos uma situada música, de Heitor Villa-Lobos, cantada por Sérgio Ricardo e com letras próprias do diretor.
Comentando uma obra de tão grande brilho e importância para a formação de nosso cinema, chegamos à conclusão de que Glauber Rocha, então com 23 anos, consolida-se enquanto diretor de personalidade, ao mesmo tempo em que futuros cineastas mirem-se nele como diretor, suas idéias para o cinema.
Antonio das Mortes, juntamente com Corisco e Manuel são 3 dos personagens mais bem construídos da história do cinema (pelo menos entre os que já tive oportunidade de assistir). Mauricio do Valle tem mais espaço em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro pra trabalhar nas característica do Antonio. Mas neste filme, realmente quem rouba as cenas são Othon Bastos e Geraldo Del Rey.