8,0
Pode-se pensar o filme em camadas e relacionar o texto como metáfora da história do militarismo em países latinos e, no caso, a vitimização de indígenas e camponesas em solo peruano. Mas a história de A Passageira é mais rudimentar e limpa, trazendo dois distintos personagens que tem no passado um segredo latente, obscurecido por culpa e paixão. Esse segredo, para nós, não demora a ser revelado e o roteiro se encarrega de mantê-lo para Celina, cabeleireira em dificuldades financeiras que busca por ajuda, mas não se vende por ela. O encadeamento de tramas funciona bem sem truques ou usuais extravagâncias: o que a obra de Salvador del Solar apresenta é o bastante para nos envolver e esmiuçar um penoso conto que revela mágoa, dor e violência. A violência não é explícita, mas eternizada em uma fotografia.
Em Lima, dentro de um Táxi, Magallanes, ex-soldado do exército peruano, roda a cidade atrás de passageiros, encontrando poucos que precisam de seu serviço. Um plano contextual nos coloca dentro do veículo em movimento. Um dia uma mulher, Celina, de origem indígena, entra em seu carro. Uma breve olhada no retrovisor e o motorista imediatamente a reconhece. Ela, não. Ele sofre e se angustia num misto de entusiasmo e aflição. Após deixa-la no destino, vira um perseguidor obsessivo da mulher, apurando sobre sua vida, o que nos leva as primeiras revelações desse drama moral, social e político. Aos poucos as informações nos são dadas.
Magallanes também trabalha como motorista particular de um coronel idoso que está demenciado. Ambos serviram juntos o exército do país. O coronel com muito mais orgulho. Frente a duras dificuldades financeiras que vive e observa em volta – situação que compartilha com quase todos os personagens, exceto os poderosos que se mantém na ativa no país em cargos políticos e de confiança –, Magallanes decide por em prática um plano a fim de extorquir o coronel com uma chantagem brutal numa ação irresponsável, mas libertadora. É a medida que envolve a dupla com Celina, a terceira ponta dessa pirâmide de relações. E é essa ação que movimentará o filme sem opor bem e mal, questionando justiça com as vítimas da ditadura e do abuso.
A direção de Salvador del Solar é competente no que confere a contação da história. Com pouco se fez muito, e sem pretensões de ser polêmico se fez relevante num assunto histórico, presente na memória mundial no lado que muitos desejariam que fosse esquecido. A demência, portanto, não é de todo mal. É um símbolo aqui! E destaco uma cena simples: quando Celina corta os cabelos e faz a barba de Magallanes. O que existe no olhar da moça exprime todo o rancor de um povo. Quem a interpreta é Magaly Solier, famosa por A Teta Assustada (La Teta Asustada, 2009) – obra que funcionaria plenamente numa sessão dupla pela similaridade de acontecimentos. Damian Alcazar encarna o taxista e consegue transmitir benevolência, ainda que jamais soe inocentado. Em conclusão, entre o opressor e o oprimido, a mesma memória tem diferente custo.
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