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Críticas

Cineplayers

Radiografia do cinema através do olhar - em sentidos múltiplos.

9,0
A natureza fílmica de Agnes Varda assimilou o documentário como parte integrante de sua matéria-prima e moldou uma das personalidades mais  curiosas do nosso cinema, ainda em atividade aos 87 anos. Mas está prestes a completar 25 um trabalho dos mais particulares de sua sublime carreira. Ora, alguém um dia já falou que quanto mais falamos do nosso quintal, mais estamos falando do mundo à nossa volta; tendo em vista que o mundo de Agnes é o cinema, nada mais coerente pra ela do que ter sido casada com outro cineasta e resolver desdobrar um material que misture sua personalidade, sua obra e sua trajetória até às telas.

Jacques Demy não foi um cineasta francês qualquer, mas um homem que leu seus sonhos, imagens e provavelmente sua própria vida através da música. Tendo trabalhado com um gênio como Michel Legrand ao lado, digamos que Demy teve um tanto de seu trabalho "facilitado" pela maravilhosas composições compostas para seus filmes. E quem mais do que alguém tão próximo para radiografar passado e "presente" seu? Lançado menos de um ano após sua morte, Jacquot de Nantes tem um misto de funções: é um retrato definitivo sobre um artista, é uma biografia dotada das qualidades que geralmente faltam às mesmas, é um atestado de relevância sobre o subgênero "documentário ficcionalizado" e é uma carta de amor pública, e ainda assim tão bela.

Somos levados à infância de Demy, então o pequeno Jacquot, o filho do dono de uma garagem que um dia, durante uma viagem de férias, descobre o cinema. O cinema ainda da forma mais primitiva e singela, uma simples câmera portátil do início do fim dos anos 30. O menino pira, e sua esposa Agnes segue sua deliciosa loucura por dentro da Segunda Guerra, do inicio da juventude, dos primeiros filmes caseiros, as primeiras sessões familiares, as decisões todas motivadas pela paixão avassaladora que acometeu o pequeno. A seu favor, Agnes tem mais do que sensibilidade e conhecimento do biografado; ela tem seus filmes, obras do quilate de Os Guarda-Chuvas do Amor, Lola e Pele de Asno, costurados perfeitamente a sua narrativa tão fantasticamente interpretação. 

O talento de Agnes nos conduz por descortinar muito mais do que o clichê "o mundo visto pelos olhos de uma criança", mas todo o desabrochar de um dos grandes cineastas franceses de seu tempo. Tendo ido ao cúmulo de filmar conservando técnicas e características do cinema da época que retrata, o filme exala toda a mítica que se criou ao redor de sua realizadora, com planos-sequência absurdos e aliando tudo o que de mais moderno podia ser criado há 25 anos atrás para retratar fatos acontecidos 50 anos antes.

Tudo isso teria outro sabor se Agnes não tivesse incluído uma cereja do tamanho do próprio bolo em cima: depoimentos muito transparentes do próprio Demy, sua fala, sua entrega, muito mais do que seu aval. Na captura do olhar ora melancólico, ora ainda repleto de sonhos e paixão por aquele universo, Agnes parte do objeto biografado para a síntese e leitura seminal do próprio cinema.

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