O difícil cinema de Nuri Bilge Ceylan a nível exponencial.
Winter Sleep estreou recentemente no Brasil na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e trouxe consigo três confirmações. A primeira: por ser o projeto mais ambicioso de Nuri Bilge Ceylan até agora, o festival de Cannes finalmente viu a oportunidade definitiva de lhe premiar com a Palma de Ouro, depois de todos os seus outros filmes terem batido na trave. E, claro, isso o coloca no mapa como uma das produções mais aguardadas do ano. Segunda: premiações nunca são confiáveis. Terceira: é preciso ser muito turco para embarcar cem por cento em sua trama.
Não está em questionamento aqui o talento do diretor, que reafirma seu completo domínio narrativo e precioso trabalho com o tempo. Winter Sleep, nesse ponto, fica no meio termo entre dois de seus filmes mais conhecidos – Era uma vez na Anatólia (2011) e 3 Macacos (2008). Se no primeiro ele dispersa uma história absolutamente simples em um trabalho de longas reflexões que só estendem a validade de seus temas no tempo fílmico, no segundo ele condensa um roteiro lotado de ideias, personagens e subtramas em menos de duas horas. Winter Sleep é o ponto de cruzamento por se mostrar um projeto ambicioso nos múltiplos temas que aborda, só que agora tendo à sua disposição mais de três horas para trabalhar com isso. Resumindo, ele finalmente tem a seu favor o fator tempo. Quem nem sempre ganha com isso é o próprio espectador, que vez por outra se vê diante de alguns momentos em que o autor simplesmente se permite divagar a esmo em pontos que parecem só interessar a ele mesmo.
A trama gira em torno de Aydin, um ator aposentado que atualmente possui um hotel na Anatólia e é colunista de um jornal da localidade, além de estar empenhado em escrever um livro sobre o teatro turco. O que parece o impedir é a relação difícil que tem com as mulheres de sua vida. Primeiro sua esposa, que é anos mais nova e com quem vive uma crise. Depois sua irmã, recém-divorciada e sem rumo na vida. Sua inabilidade de lidar com qualquer mulher que seja e sua frustração o tornam uma pessoa ressentida e perversa, que apresenta um discreto prazer em ver as coisas darem errado para os outros.
A fragilidade dessas relações vai se revelando aos poucos, e a um ritmo bem lento, em que Ceylan parece não demonstrar nenhuma pressa. O primeiro plano do filme consiste em um sutil movimento de câmera se aproximando da nunca de Aydin, como que adentrando em sua mente, o que explica todas as situações sendo dissecadas por seu ponto de vista. Como se trata de um personagem antipático, machista e cínico, todo o tom do filme é bastante pesado e pretensiosamente denso, claramente emulando Anton Tchekhov ao fazer uma leitura do ser humano e do mundo através do universo particular de um único personagem. Alguns outros ídolos literários também fazem presença, talvez de forma menos sutil, como William Shakespeare.
Juntando tudo isso em uma produção cheia de pompa e desenrolada em tom grandioso, Winter Sleep se revela, em certo ponto, uma tentativa clara e direta de Ceylan em conquistar prêmios, e para isso abusa de longos momentos reflexivos, planos fechados (ao contrário da expansividade dos enquadramentos de Era Uma Vez na Anatólia), tempos mortos e discretas análises sociais contundentes sobre a região da Capadócia. Até certo ponto tudo é devidamente estimulado pelo domínio narrativo do diretor, mas cedo ou tarde é inevitável a sensação de cansaço atingir o espectador. Não necessariamente por ser tão profundo e humano, mas por ser propositalmente difícil e exigir uma concentração extra do público. Se por um lado o filme requer tanto de nós, por outro fica a recompensa de estar diante de uma produção acima da média, que cativa quando é enfim desvendada. Basta ter paciência e boa vontade para chegar até lá.
Visto na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
O filme apesar de longo, me prendeu o tempo todo. Achei bom, apesar de achar q deveria ser bem melhor, acho q o diretor perdeu a oportunidade de fazer, talvez uma obra prima, mudando umas 2 cenas do filme. Valeu!
Achei um filmaço. Discordo do Heitor a respeito do filme ser cansativo. O filme possui uma fluidez incrível que nem deu para sentir as mais de 3 horas de projeção. Bem melhor que o Climas e Era uma vez na Anatólia.
É um filme incrível; não o achei cansativo (diálogos ácidos e cenários que elevam a sensação de reclusão). Quanto à duração, é verdade que o filme não aproveita seu tempo para um grande desenvolvimento narrativo, mas sim para um desenvolvimento psicológico, principalmente para nós espectadores que pouco a pouco entendemos mais sobre o protagonista. Gostei bastante da sacada de olhares conhecidos (Aydin, Nihal e Necla) que se evitam ao máximo, permitindo o contato apenas para desafiar o ego daquele com quem falam, e olhares que "imploram" para que os de outras pessoas se cruzem com os deles, pois não gostam da solidão, mas nela estão imersos devido às suas personalidades incompatíveis.
O que é pra ser cinema não é pra ser escrito, muito menos na reação de qualquer um. Faria uma crítica à crítica se a natureza de uma crítica já não fosse a morbidez.