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Críticas

Cineplayers

A jovialidade bestial fugaz e inconsequente.

8,5

Ingmar Bergman, diretor de tantas obras primas, marca o processo da juventude a partir de um aspecto pessimista característico de sua filmografia com este longa cheio de momentos icônicos e moral escancarada, filmado nas ruas de Estocolmo. Considerado por alguns como uma de suas mais importantes obras, o que não é nenhum exagero, Mônica e o Desejo (Sommaren med Monika, 1953) traz com ênfase naturalista aspectos do tempo e do envelhecimento tal como o diretor fez posteriormente em Morangos Silvestres (Smultronstället, 1957). Aqui ele trabalha com a jovialidade, a passagem da adolescência para a idade adulta, constatando em suma a beleza e os olhares sobre ela, tanto dos personagens observando os outros e reparando em si mesmo, buscando também os espectadores que os assistem. Há uma relação disposta do público com o filme, especialmente em uma de suas cenas mais emblemáticas, lembrada pelos olhos negros instigantes de uma garota em terna mocidade. 

A beleza da juventude foi detalhada em nuances magistrais pela câmera de Bergman, ressaltando as fugas em liberdade de uma protagonista vívida cuja índole esbarra na incerteza de seu futuro transgredido pelo inevitável envelhecimento. A forma com a qual o diretor demonstra cuidadosamente o significante de seu filme é engenhosa. A palavra colocada no título em português não poderia ser mais adequada: desejo. Esse desejo se exprime na pulsão de vida, na cobiça pela liberdade desregrada cujos padrões sociais não são nada mais do que infelizes limites que tanta gana não consegue encontrar. O processo de evidenciar essa intensidade desejosa é captada pelas lentes de Bergman que aposta na atriz Harriet Andersson – jovem que se tornou musa do cineasta – que se não goza de uma beleza descomunal, tem em sua libido um aparato de sentido, exposto na sua audaciosa frieza de alimentar seu prazer sem receio ou culpa.

Ingmar Bergman busca captar esses personagens entregues a aventura de tempos que idealizavam intermináveis. O espelho é um símbolo bem colocado, já que por diversas vezes personagens os encaram, alguns idosos, outros jovens, percebendo suas distinções e o que a vida lhes acarretou. Em ambas há constatações do presente, o futuro gritando para uns e escurecendo para outros. Quando Mônica encontra Harry, vive uma paixão fervorosa. Ela o cativa a seguir suas aspirações de liberdade. Vemos os dois subirem num barco e parar num lugar não pertencente a ninguém. Harry olha Mônica se despir, correr saltando por rochas, admirando a beleza de sua juventude, tal como a dele, acontecendo e resplandecendo frente a câmera. O diretor abusa de planos-detalhe. Tal fuga da realidade negada tem um custo! Não há determinação que dê conta de mantê-los distantes da racionalidade e de algumas responsabilidades, especialmente quando uma exigência repentina os surpreende fazendo tudo mudar.

Num curto espaço de tempo, Harry e Mônica ficam juntos. O primeiro, assalariado, trabalhador e estudioso, esperava um dia tornar-se engenheiro, já que tinha interesse por máquinas. Nota-se através da narrativa concisa e detalhada o despertar de seu personagem para uma realidade imposta por um outro sujeito. Ele passa a viver o sonho do outro, contaminado pelas aspirações de uma vida sem regras, mas um ideal de liberdade equivocado. Próximo aos distintos personagens, ele se transforma graças a sedução de um amor repentino carente inconsequente, o qual numa primeira noite sofre com a violência alheia daqueles que a têm como mero objeto. A sociedade inflama contra o rapaz por sair com uma vagabunda qualquer. A vangloria é seu desafio, pois tal vagabunda desperta o sono da imortalidade de um “eu” inquieto prestes a estourar já que, ao longo dos seus míseros 19 anos, já tinha que bancar a saúde comprometida do pai e viver com a lembrança da morte da mãe acontecida quando tinha 8 anos.

Muitos planos marcam a investida de Bergman nessa narração da juventude. A cena em que Mônica encara a câmera é de indagação, a quarta parede se abre para a personagem entrar em contato com o espectador e finalmente questioná-lo, imediatamente após testemunharmos sua nova ação e, tendenciosamente, a recriminarmos. Mas esse estupor de seu olhar penetrante é de constatação. Compreensível, talvez, seja esse caráter indagatório no que diz respeito a persona da protagonista que consome prazer como respira o ar. É por necessidade psicológica, não por desvio de caráter. Mônica é uma personagem fértil, não muito difícil de se compreender. Ousa, mente, suga e devora, crendo que o tempo findará e acabará com suas ambições de querer a qualquer custo – se bem que ela não pondera prováveis consequências. Harriet Andersson está estupenda em seu papel vivendo uma Mônica crente que tudo é possível e alcançável enquanto constata o mundo em volta oprimido pelo trabalho sem gozo. A atriz ainda fica nua em cena, emprestando seu corpo para retratar a jovialidade fervente. O diretor aproveita de sua exuberância e lhe revela.

Revelada ao público, notamos uma das personagens femininas mais emblemáticas do cinema. O crescimento pessoal traz responsabilidades as quais Mônica demonstra total incapacidade em assumir, sobrando para Harry o difícil ofício de efetivamente bancar toda a situação. Transforma-se as relações com decréscimo de conveniência e outras coisas finalmente ascendem. E aí encaminhamos para um final belo e amargo. Belo, pois o arco dramático desenvolvido culmina num ponto preciso sobre o papel do tempo e as ações contidas nele que transformam; amargo, pois quando a doçura se esvai, a amargura enternece eternizando um débito de vida arruinado por um ideal dissolvido nos desejos que Mônica fatalmente inspirou.

Comentários (5)

Adriano Augusto dos Santos | segunda-feira, 29 de Julho de 2013 - 11:47

Quando vi não via como um dos bons de Bergman,acredito que verei diferente quando rever.

Joéser Mariano da Silva | segunda-feira, 29 de Julho de 2013 - 12:33

Estou obsecado por esse filme preciso achar um jeito de comprar ele.

Gustavo Branco Germano | terça-feira, 30 de Julho de 2013 - 00:03

sou obcecado por esse filme também... meu bergman favorito, apesar de tão simples comparado ao que viria a fazer

Joéser Mariano da Silva | quinta-feira, 01 de Agosto de 2013 - 09:06

Todo cinéfilo de verdade tem uma fase de obsessão por Bergman. [VERDADE]
Gosto muito de seus filmes é de longe o diretor que mais tenho filmes na minha coleção espero que essa obsessão não passe tão cedo.
😁

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