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Críticas

Cineplayers

A ação do tempo e a solidão das noites.

7,0

Duas gerações se chocam pela necessidade. Avó e neta se encontram num momento bastante delicado, quando a matriarca já não possui boa saúde, sofrendo de Alzheimer. É a jovem quem se encarrega de cuidar dela, sofrer juntamente e passar pelos apuros que a doença degenerativa traz. As duas não tem lá muita intimidade, aliás, as relações familiares de Amanda (Mariana Gajá), a protagonista cuidadora, são remotas, com um pai cineasta ausente que financia o hospital da mãe e alguns gastos pessoais da filha. O distanciamento é evidente. É sobre isso que o filme busca tratar: a superação do afastamento, a reaproximação de quem sempre se manteve longe. Exibido na 36ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo, Não quero dormir sozinha é um drama sobre a solidão, o primeiro trabalho de Natalia Beristain, selecionado para o Festival de Cinema de Veneza.

Uma ex-atriz do cinema passou, envelheceu e fora esquecida, numa ótica semelhante a de Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), porém sem a magnificência de Wilder. Dolores (Gabriela Roel) está sozinha, repetindo coisas e com a memória a curto prazo comprometida. A solução é ser internada numa clínica, algo visto com desprezo pela neta que se voluntaria a cuidar da senhora. Mas a dificuldade em lidar com tal sensação inflama quando descobre que sua avó é usuária de álcool e encontra na bebida um bom sono que não alcança quando lúcida. Acompanhar a progressão dessa história é um deleite. De maneira branda, a narrativa perpassa algumas dificuldades dessa vivência, associando-se a A Família Savage (The Savages, 2007) de Tamara Jenkins ou Longe Dela (Away From Her, 2006) da canadense Sarah Polley e sua ternura.

A ação do tempo é tratada com zelo e delicadeza pela diretora, e isso ainda é fortalecido pela boa atuação das protagonistas, a veterana Gabriela Roel e Mariana Gajá. As duas, em certo instante, ficam nuas num vestiário, e contemplamos a diferença dos corpos. Enquanto constatamos a nudez de Amanda em frente o espelho, com o corpo jovem e formoso, logo notamos a chegada de sua avó, reverenciando a neta com saudade dos anos em que dispôs de beleza semelhante. Durante um banho, Natalia Beristain investe em seqüenciais planos detalhes, contrapondo ambas.

O protagonismo é de Amanda, que não consegue passar as noites sem companhia, sempre buscando alguém para dividir a cama. Homens passam por ali diariamente, vivenciando a solidão da garota de olhar triste. Carente de afeto, algo que aparentemente, segundo sugestões do roteiro, não obteve quando criança, ela busca independência negando qualquer tipo de ajuda ou auxílio paterno. De outro lado sua avó, solitária, representa o velho contemporâneo, às vezes esquecido, segregado e injustiçado.

Alguns filmes estão voltando a atenção para a fase da terceira idade. A diretora procura ressaltar com certa poesia o inevitável em vida, a busca pela aceitação do tempo que condenará a beleza e talvez a mente. Não importa a cultura, dramas semelhantes são observados por todos diariamente, especialmente por aqueles que convivem com pessoas mais velhas. O aumento da expectativa de vida obriga o interesse e olhares atentos para a saúde de modo geral nesta fase, algo que criticamente a diretora procura relevar. Daí o filme se converte num relato amargurado sobre o assunto, tratado com intimidade e certo pesar por Natalia Beristain. O que resta para Dolores é a glória de outrora, e para Amanda, uma boa razão para sua existência, até então inanimada, e finalmente garantir alguma boa recordação para o futuro.

Visto na 37º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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