Documentário denuncia matança de golfinhos no Japão.
Vencedor no Oscar em sua categoria na cerimônia de 2010, este documentário denúncia A Enseada (The Cove, 2009) é um complexo estudo do homem e de como o dinheiro o influencia e o transforma, com tons óbvios de crime, castigo e redenção. Diferindo da moda Michael Moore de documentar, este filme de Louie Psihoyos é uma mistura complexa; o dia em que A Identidade Bourne (The Bourne Identity, 2002) encontrou-se com Flipper (Flipper, 1964 - 67), na maneira documental de ser.
A história é focada na luta de Richard O’Barry contra a matança de golfinhos que ocorre todos os anos no Japão. Visto com maus olhos pela polícia de Taijii, ele monta uma equipe para conseguir captar em segredo imagens de locais proibidos, onde ocorre uma verdadeira carnificina dos animais, crueldade tamanha a ponto de deixar o mar completamente vermelho de sangue inocente. O nível da operação não deve em nada a grandes produções Hollywoodianas, com direito a pedras camufladoras de câmeras feitas pela ILM (empresa de efeitos especiais fundada por George Lucas) e demais parafernálias.
Só que O’Barry não é uma pessoa qualquer: sentindo-se culpado por toda essa febre que circunda com uma aura mágica os golfinhos, já que ele foi o responsável pelo treinamento de Flipper para a série de TV (que gerou fama e sucesso), o treinador viu com o tempo aquela paixão tornar a espécie escrava da própria fantasia humana. Traumatizado com o suicídio de Flipper em seus braços, ele passa a lutar para libertar estes animais de todo o tipo de sofrimento que o homem causa a eles, ferindo o bolso e orgulho de muita gente, já que este é um dos ramos mais lucrativos do mundo.
Competente em todos os aspectos que aborda, acompanhamos calmamente a apresentação do problema, logo após uma forte introdução. Conhecemos a cidade onde ocorre a carnificina, para depois vermos o apontar do dedo para seus culpados e a antecipação de todas as possíveis defesas que os envolvidos poderiam apresentar, como o argumento de que tudo aquilo faz parte da cultura japonesa (como pode fazer parte da cultura se a maioria não sabe o que está acontecendo em Taijii e todo o processo não pode ser filmado?), trucidando estas tentativas de defesa com argumentos sólidos e indiscutíveis.
Porém, é quando centra na imagem de O’Barry que o filme ganha tridimensionalidade e força. Uma figura claramente trágica, ele é na verdade um retrato exato de todos nós a sua maneira. Movido pela culpa, que o acompanhará pelo resto de sua vida, representa bem o que o homem é para a natureza: todos os dias consumimos água, comida, criamos lixo, poluímos o ar... E muitas vezes não temos a noção do impacto que isto causa no meio-ambiente. Ele é uma perfeita metáfora de como o homem afeta o meio e também um exemplo de como devemos agir para tentar reverter o quase irreversível quadro de como estamos tratando o planeta.
Os pescadores e o governo japonês sabem que estão fazendo algo errado e, na maior cara de pau do mundo, ao invés de tentarem corrigir, buscam cada vez mais aperfeiçoar e esconder esta matança, causando empatia imediata do público pela causa de O’Barry. Não é a toa que, quando o filme expõe e conflita as mentiras que vinham sendo ditas com imagens revoltantes, depois de um complexo plano que faria os articuladores de Onze Homens e um Segredo (Ocean’s Eleven, 2001) sentirem inveja, nossa raiva já é tanta que comemoramos os resultados – que, por sinal, continuam sendo atualizados pelas mídias sociais oficiais de A Enseada, para quem tiver interesse em saber no que deu tudo isso após os créditos começarem a subir.
É um filme que merece ser visto. Não vai causar a reflexão que propõe em todos, mas faz sua parte em uma população que tem um futuro muito pessimista pela frente. Que fique o aviso: com imagens fortíssimas, muito mais pela crueldade do que pelo explícito, muita gente ficará com o estômago embrulhado. É bom ir preparado para o que ninguém nunca deveria ver.
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