Um John Travolta irreconhecível e engraçado se perde em meio a um filme que se leva a sério demais.
Luc Besson, durante sua carreira, investiu muito mais tempo na cadeira de produtor ou roteirista do que dirigindo filmes em si. Focando no gênero da ação, o multifuncional artista nos brindou com alguns dos mais divertidos exemplares do gênero, nada devendo para produções hollywoodianas recentes, inclusive nos atores que utiliza: em Carga Explosiva, contou com Jason Statham encabeçando os três filmes da série; em Busca Implacável, com Liam Neeson; em Cão de Briga, com Jet Li e Morgan Freeman; em Revólver, novamente com Statham, só que dessa vez ao lado de Ray Liotta; são todos referências de como o prestígio do diretor de filmes como O Quinto Elemento, Imensidão Azul e O Profissional conseguiu ser chamariz em seus projetos.
Seguindo a tradicional fórmula de filmes de duplas, já utilizado algumas vezes por Besson nos exemplos citados, temos um John Travolta diferente em Dupla Implacável, badass total, quase irreconhecível, fazendo parceria com Jonathan Rhys Meyers, identificado pelo grande público por seu trabalho em Ponto Final - Match Point, de Woody Allen, e Missão: Impossível 3, mas que recentemente tem trabalhado na sua série de TV The Tudors. Ambos representam agentes norte-americanos na França em uma missão antiterrorista, mas com métodos completamente diferentes de lidar com as situações: enquanto James (Rhys Meyers) é o engomadinho, correto, seguidor fiel das leis, Charlie Wax (Travolta) representa o jeito prático de se lidar com figuras não muito amáveis; características que, obviamente, os completarão nas missões.
Trabalhando com a velha fórmula da comédia de ação baseada na diferença de personalidades de seus envolvidos, Besson nos entrega um roteiro lotado delas: dividido em fôrma de pão, conhecemos o personagem principal, seu dia-a-dia, seu modo de trabalho, há a chegada do parceiro controverso que fará o protagonista enxergar as coisas sob outra perspectiva, conhecemos o real perigo que eles enfrentam, a comédia que vinha sendo o chamariz é deixada de lado e o tom mais sério, demonstrando a real urgência da situação, entra em cena junto com uma grande reviravolta para tentar deixar as pessoas presas às poltronas. Nada que não tenhamos visto uma dezena de vezes apenas em 2010.
O diretor Pierre Morel, constante colaborador de Besson, é apenas um maestro para realizar esses projetos paralelos que são, na verdade, do produtor / roteirista. Não é possível identificar uma linha característica como arte do diretor, a não ser a do próprio Besson (filme francês de ação, nos moldes de Hollywood, com atores americanos consagrados passando por mal bocados na França, etc). As seqüências de ação são bem na linha de Carga Explosiva: um homem fodão lutando contra uma série de capangas que morrerão das mais variadas e divertidas maneiras possíveis. Porém, há um diferencial: em Dupla Implacável há muito, muito mais violência do que os filmes light de ação que Besson vinha produzindo. Se não há a mesma elegância de O Profissional, pelo menos há a mesma quantidade de manchas vermelhas pelos sets, o que é um grande mérito.
Travolta relembra os tempos de Pulp Fiction: Tempo de Violência, fazendo seu agiota Chili Palmer de O Nome do Jogo parecer uma mocinha perto de Charlie Wax. Seus palavrões não soam forçados e, mesmo com a mentirada rolando solta nos tiroteios, sempre acreditamos que aquele estereótipo do agente poderoso (careca, cavanhaque, mulherengo, etc) realmente sabe o que faz sem nunca dar nada errado, já que Travolta sabe como interpretar esse tipo de gente muitíssimo bem. Já Jonathan Rhys Meyers acaba totalmente encoberto pela entrega de Travolta – talvez até porque seu personagem, mesmo que seja o protagonista, é bem menos interessante do que Wax; muitas vezes inútil, como o próprio James chega a se questionar em certo momento.
O grande problema do filme é que ele se leva a sério trazendo uma discussão sobre terrorismo à tona, o que nos leva também a criticá-lo sob outros olhos, como um trabalho mais pretensioso, mais engajado. Essa discussão tira o tom correto que vinha trazendo, da comédia grosseira, de humor negro, violenta... Acompanhar as brutalidades que Wax estava sendo divertido até o filme demonstrar a que realmente veio. A partir daí, ele vira uma bomba difícil de engolir, inferior a outros mais sérios sobre o tema. A grande pergunta que fica: será que era realmente necessário trazer esta urgência para a trama? Será que o tom comediante, que vinha carregando o filme e tornando-o assistível, devia realmente ser deixado de lado? Pelo menos não é o tipo de ação com câmera tremida e cortes rápidos, que não conseguimos assistir a nada. Esse é o problema da ação nos dias de hoje: poucas conseguem se desprender da fórmula.
Possivelmente um gerador de franquia (conhecendo o histórico de Besson, outros 'Dupla Implacável' devem vir por aí), espera-se que o tom seja melhor balanceado na próxima vez, apesar de que dificilmente isso acontecerá. Esse tom já foi definido, algo meio Máquina Mortífera, meio A Hora do Rush, mas inferior à ambos e mais de dez anos atrasado. John Travolta se arriscou e não dá nem para culpá-lo pela água que escorreu para o ralo dessa vez, pois ele, mesmo gordinho com roupas que tentam esconder isso, é quem carrega o filme nas costas – enquanto ele é divertido, e não a chatice piegas e inverossímil que se tornou no final.
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