Inocência e poesia a serviço do egocentrismo norte-americano.
Nas últimas décadas, elevar lugares, momentos ou fatos históricos ao nível de importância dos protagonistas tem sido uma forte tendência criativa. Syriana e Pecados Íntimos, entre outros, são apenas alguns exemplos recentes. Em Forrest Gump, de 1994, o recurso vai ao limite e mesmo supera o protagonista, porém de forma sutil. Ao contrário do que acontece em Pecados Íntimos não se trata do reflexo de uma comunidade, mas de toda uma nação que emerge com seu jeito de ser, de viver, de se relacionar e de influir em outras.
Assim, o personagem principal não é Forrest, mas a América, seu paternalismo exacerbado, sua ideologia dominadora mal disfarçada em heroísmo histórico ufanista. Forrest somos todos nós, alguns com doçura, outros com alguma rebeldia ou inconformismo. A América, ou mais exatamente aquela parte do território americano conhecido como Estados Unidos, nascido dos ecos do Iluminismo do século XVIII, sob a luz da razão, aceitou acreditar tanto na própria grandeza e importância a ponto de pretender transformar cada um de nós em Forrests Gumps, seres adoráveis, pacíficos e submissos a serviço de seus ideais e sistema.
A câmera que sobrevoa o solo norte-americano encontra seu ícone emblemático no Forrest de Tom Hanks e o segue para transformá-lo, em si mesmo, na própria ode à inocência, pregando que a beleza está nos olhos de quem vê (e não apenas nos olhos). De fato, renasce todos os dias, ou todas as noites, naqueles que tomam contato com mensagens que não podem interpretar, mas que as recebem como parte de sua realidade, sem objeções.
Os instrumentos para forjar Forrests Gumps são tantos que praticamente incluem todas as nossas instituições e ou mídias, inclusive o cinema. O grande nó é que enxergar poesia e beleza (ou simplesmente não enxergar) não exclui da realidade humana os rastros de destruição que os homens deixaram atrás de si ao longo de sua história, como a guerra do Vietnã ou mesmo o que há de negativo na contra-cultura manifesta nos anos 60.
Se é verdade que os Estados Unidos almejam a liderança mundial, também é verdade que não deixam de seguir o chavão “cegos guiando cegos”. O que é triste em Forrest Gump é a inversão de valores que o cinema pode proporcionar como que querendo dizer o contrário. Fórmula: desenvolva um personagem simpático, puro e inocente e o mostre desfilando ingênua e despreocupadamente em meio a situações histórica e ou pessoais, mostradas superficialmente. Está aí a receita de bolo para enaltecer a grandeza da trajetória norte-americana e seus valores! Funciona pelo carisma do ator e pela beleza da inocência do personagem.
Erros ou acertos históricos, tendenciosidades comunicacionais, manipulações governamentais, ideologias ou objetivos escusos, são meros detalhes diante de espetáculo tão bem orquestrado por Robert Zemeckis. Mas não há nada de genial nele, pois a dubiedade das mensagens midiáticas já havia sido escancarada pelas peraltices de Orson Welles, muito antes de Eric Roth sintetizar seu personagem e escrever seu roteiro. No cinema não há quem não saiba o que faz e por qual motivo.
Forrest Gump é um bom filme para bons entendedores. Mostra Tom Hanks numa das fases mais importantes de sua carreira, aquela que lhe rendeu premiação com dois Oscars consecutivos (1995 por Forrest Gump e 1994 por Filadélfia). Justamente no ano em que Pulp Fiction surgiu com seu roteiro inovador, Forrest Gump arrebatou seis estatuetas. Foi um grande sucesso e marcou época ao retratar momentos fundamentais da história mundial e da cultura norte-americana, tomados como contexto da vida do simpático personagem, mesclados à poesia existencial própria dos puros de coração. Também mostra, de forma suave e divertida, como um mesmo acontecimento pode ser entendido de formas diversas e pouco convencionais.
Isso confronta a própria lógica da dominação midiática, mas está perfeitamente de acordo com a atual visão antropológica, que defende as diferenças culturais contra a antiga dominação da “melhor” cultura sobre a “menos desenvolvida”. Também na visão psicológica as diferenças têm sido reconhecidas como algo não negativo. Ser diferente não significa necessariamente ser “louco” ou “inferior”, mas apenas e tão somente diferente. Forrest, portanto, não é mais, nem menos, nem pior, nem melhor, ele é diferente e verdadeiramente adorável em sua lógica pessoal.
Mas Forrest Gump também pode ser um filme ruim para maus entendedores, pois cada um o interpreta com as informações de que dispõe e o véu bonitinho com que todo o filme é coberto mais aliena do que esclarece (e seu propósito não é mesmo esclarecer), embora nunca deixe de ser uma ponta de iceberg que curiosos vão querer enxergar melhor. De qualquer forma, o filme entretém sem dar sono, embora eu o considere meio longo.
O que me causa um certo desconforto é justamente ver a técnica cinematográfica usada de maneira que soa um tanto hipócrita, considerando a situação mundial atual e o papel norte-americano nesta grande tragédia. Parece os Estados Unidos (e não vamos confundir governantes com povo) batendo palmas para si mesmos. E aí, momentaneamente, os papéis se invertem e ingênuos passam a ser eles, os donos do poder. E então, você os acha adoráveis?
Com certeza é um filme americano feito para americanos!!!
Acho que é a melhor resenha da história desse site. Arrepiante o texto e a análise.
Filme nota 10!!! Conheço jovens que em 94 mal tinham nascido e gritam \"Run, Forrest, Run!!!!!!!!\". Isso explica tudo.
Meu filme favorito.Nao acho obra-prima.Mas e; Tocante, poetico, belo, onirico!!!!....