Um filme no qual o espectador não passará imune, seja para que lado for.
Shortbus mostra à que veio ainda nos primeiros minutos de filme. Alternando duas cenas de cunho sexual explícito protagonizadas por personagens distintos, já é possível entender que é um filme que passa longe do comportamento conservador-moralista americano, que retornou com força durante os anos de presidência de George W. Bush.
É bem verdade que não é necessário ser puritano para se chocar com o filme, assim como basta ser humano para sentir o vazio, a inadequação ou a solidão, da qual os personagens de ShortBus compartilham, ou ainda pior, alimentam, de forma que a tristeza cresce até se tornar contundente e contagiosa, assemelhando-se à um tumor. Graças a esta sensibilidade, o roteiro abriga algumas pérolas de sensatez misturadas às cenas de libertinagem, presentes em frases como: “É como nos anos 60, só que com menos esperança.” Ou durante o diálogo entre a dominatrix e seu submisso: “Você se sente triste depois? E ela responde: “Sim. Porque o mundo não parou e eu não estou sozinha.” Cenas como estas trazem à tona aspectos importantes da natureza humana, e a misantropia e desesperança presentes nas sentenças agregam lucidez aos personagens.
O “Shortbus” do título nada mais é que uma espécie de confraria sexual situada na Grande Maçã após o fatídico 11 de Setembro, onde os membros praticam sexo abertamente sem nenhum tipo de pudor ou sigilo entre os presentes. A visão que se tem do salão é que estamos diante da Gomorra do século XXI, muito embora este julgamento só possa ser executado pelos espectadores, já que nenhum dos participantes da orgia estabelece nenhum tipo de julgamento moral diante do que vivem ou presenciam. Pelo contrário, são capazes de enxergar beleza e afetuosidade, ao ponto de um dos protagonistas ser fotografado durante uma cena de apagão cercado de velas, e a aura de pureza que o cerca é emocionante.
Do ponto de vista técnico, o filme de John Cameron Mitchell exala talento e criatividade. Bem concebidas e orquestralmente iluminadas, as maquetes são uma alegoria da Nova York que todos conhecemos de jornais e filmes, situando a obra para além do interior dos apartamentos e dos salões onde os personagens se socializam e travam consigo mesmos e uns com os outros embates políticos, sentimentais e humanos que dão ao filme uma profundidade inesperada.
Há tempos, seja graças à evolução ou ao caráter transgressor e desregrado da sociedade, a sexualidade humana rompeu com as barreiras do íntimo para ocupar o horário nobre das emissoras de TV e as páginas das revistas, que depois de descobrirem o quão rentável o sexo pode ser, passaram a imolar tudo que é relativo ao assunto no altar de Eros e Dionísio, signos máximos na cultura Greco-Romana do prazer e dos excessos.
Seja pelas cenas despudoradas e carnais, contrastantes com a suave trilha sonora e a inventiva e atraente parte técnica, Shortbus é um filme do qual o espectador não consegue passar imune e comentários como “pornográfico” e “imoral”, ainda que sem justiça, serão ouvidos. Mas culpar um filme é sempre uma solução fácil demais. Se existe algo errado e distorcido na sexualidade humana, então ShortBus apenas retrata tais situações, servindo como um espelho para a sociedade no que ela sente vergonha de ver e assumir.
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