Uma grande e inteligente brincadeira cinematográfica de Woody Allen.
O mockumentary, ou o pseudo-documentário, é um gênero que permite fazer críticas inteligentes e que geralmente traz resultados interessantes. Em um modelo que já é satírico em sua própria concepção, o diretor tem a liberdade de construir argumentos baseando-se em falsas premissas para então poder criar um fato hipotético. Esse é um tipo de filme que continua em voga, principalmente depois do recente e controverso Borat (2006), e que também nem sempre possui um teor eminentemente crítico, como Cloverfield: Monstro (2008) e A Bruxa de Blair (1999), que nesses casos o molde serve mais para dar uma sensação de maior veracidade e tensão. Entretanto, aquele que mais me deslumbra até hoje, talvez por ter sido o primeiro do gênero que assisti e ter achado aquilo tudo genial, é Zelig (1983), de Woody Allen.
Como é típico de seus filmes, a ironia é recorrente e nesse caso em especial todas suas piadas sardônicas funcionam bem. O próprio tema do documentário já dá margem a possibilidades cômicas. Ele narra a história de Leonard Zelig (Woody Allen), um pacato homem que tem a incrível capacidade de transformar sua aparência e adaptar suas maneiras a das pessoas ao seu redor para não se sentir excluído e poder se misturar aos outros. Dessa forma, esse personagem fantástico é usado por Woody Allen para se aventurar em brincadeiras sobre a psicanálise e a própria psicologia, temas que vez ou outra aparecem em sua obra. Desde o interesse pela comunidade médica, e em particular da Dra. Eudora Fletcher (Mia Farrow), pelo seu comportamento idiossincrático, até a forma como a população se vê fascinada e aprende a idolatrar aquela figura estranha. Assim Allen faz uma divertida crítica sobre como se constrói os ídolos e a capacidade da mídia de alimentar o público fazendo-o clamar por pessoas alçadas a serem celebridades. Levando muito em conta o lado freak show da coisa, já que a fama de Zelig vem justamente de sua condição psíquica, logo aquele homem que deveria ser estudado como pretendia a Dra. Eudora, vira uma espécie de atração de circo.
Woody Allen sabe muito bem inserir no conteúdo do seu documentário os elementos típicos que configuram Zelig como uma espécie de símbolo do seu tempo. Mesmo o personagem tendo vivido nos anos 30, o diretor mostra que pouco mudou em relação a como o mercado lida com as típicas “manias do momento”. Os brinquedinhos e bonequinhos de Zelig, os disfarces para você também ser o “homem-camaleão” e, aquela que considero a brincadeira mais divertida do filme, as músicas em referência a Zelig. As músicas foram especialmente criadas para o filme e são baladas de jazz próprias da época com nomes sugestivos como “Leonard, the Lizard” (Leonard, o Lagarto), “You May Be Six People, But I Love You” (Você Pode Ser Seis Pessoas, Mas Eu Te Amo) e “Chameleon Days” (Dias de Camaleão).
Como se vê, Allen criou todo um pano de fundo para seu personagem e o modelo de documentário serve muito bem a isso. Ele segue fielmente o padrão de um documentário convencional com passagens e filmagens em preto e branco intercaladas por depoimentos de pessoas que teriam vivido com Zelig. É nesse quesito que a parte técnica do filme ganha pontos. Em uma época que não existiam todos os recursos digitais de hoje (o filme é de 1983), as técnicas de manipulação de imagens são bastante bem feitas. O personagem de Woody Allen é colocado em fotos junto a celebridades como o presidente dos Estados Unidos Herbert Hoover, além de aparecer em filmes ao lado de pessoas como Hitler. Esse tipo de técnica é a mesma que seria usada anos depois em Forrest Gump (1994).
Ao final é difícil não simpatizar o mínimo que seja com essa grande brincadeira de Woody Allen. De uma maneira divertida e em um formato inteligente, ele nos apresenta um personagem carismático que nos fala da necessidade primordial do homem se sentir parte de um grupo, ao mesmo tempo em que joga com as loucuras da idolatria.
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