O carisma dos protagonistas e as suaves citações à atualidade o tornam agradável e superior aos concorrentes do gênero.
Jim Carrey. Quando ouvimos esse nome em alguma produção cinematográfica, indubitavelmente o associamos ao gênero comédia, é fato. Contudo, o ator canadense, até este "As Loucuras de Dick e Jane", refilmagem de "Adivinhe Quem Vem Para Roubar", de 1977, esteve atuando em filmes mais dramáticos - como o sensível "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" - e em comédias ingênuas repletas de elegância - como o apenas mediano "Desventuras em Série". Nesta empreitada, Carrey retorna ao gênero que o consagrou.
Dick (Carrey) e Jane Harper (Téa Leoni) formam um casal que resolve recorrer ao crime quando a empresa onde Dick trabalha vai à falência - isso, após o patriarca da família ser promovido ao cargo de Vice-Presidente de Comunicações da Globodyne Corporation, a tal empresa falida -, em virtude das falcatruas de seu presidente, o desonesto Jack McCallister (Alec Baldwin). Desempregados, Dick e Jane, depois de tentarem desesperadamente de tudo para conseguir manter o padrão de vida que tinham, acabam tornando-se ladrões.
A trama, escrita por Judd Apatow ("O Virgem de 40 Anos") e Nicholas Stoller, no geral, não esconde o que a motiva. Alguns pontos provam que o projeto tem semelhanças com as várias comédias sem graça produzidas por Hollywood. Na primeira cena em que Dick aparece, por exemplo, um truque bobo e desgastado de humor é utilizado, contribuindo logo de cara com essa idéia de semelhança. Além disso, temos, no sentido como a história é mostrada, alguns diálogos rasos e muito pouco inspirados. O filme apresenta também, na maior parte de seu desenvolvimento, uma diagramação gritante, tornando-o previsível - inclusive, podemos aplicar isso ao desfecho do filme: embora o clímax seja interessante, segue o prognóstico concebido desde o início pelo espectador.
Porém, a vulgaridade é superada pelo fato do roteiro apresentar, autenticamente, minúcias notáveis. Se na parte mais jocosa o enredo não consegue obter plenamente o sucesso, quando há a ocorrência de delicadas referências à atualidade - como o escândalo envolvendo a sétima maior companhia do mundo nos anos 90, a Enron - o longa ganha jeito de um produto um pouco mais bem acabado. O vilão do filme, interpretado por Baldwin, por exemplo, é uma clara referência aos dirigentes da empresa falida no final de 2001. Dentre outros pequenos detalhes nesse sentido, os créditos da projeção apresentam uma ótima anedota ao caso Enron. Vale ressaltar que ironias ao governo de George W. Bush também estão presentes, mas de um modo inteligente e nem um pouco forçado.
Afora isso, o que do mesmo modo ajuda o filme a andar é o casal Dick & Jane. Muito bem delimitados na trama, as personagens centrais criam facilmente uma afinidade com o público, fazendo com que a penosa condição pela qual passam e as atitudes reacionárias (uma espécie de surto, na verdade) advindas dessa situação sejam compreendidas. Vemos em Dick um típico pai de família, trabalhador - ele leva, para conseguir chegar à vice-presidência da empresa, exatos 15 anos de serviço - e gente boa com amigos e vizinhos (quando se encontra bem financeiramente, lógico). Ao seu lado, sua esposa Jane em nenhum momento fraqueja ou pensa em abandoná-lo quando a coisa aperta, proporcionando algumas sinceras risadas. São raras, mas realmente sinceras.
Obviamente, para isso funcionar, os atores necessitam estar muito bem entrosados nas cenas. Tanto o Dick de Carrey quanto a Jane de Leoni funcionam muito bem, provando que a química da dupla é bem apurada para o gênero. Há, todavia, excessos nos trejeitos de Carrey, apelando para suas conhecidas caricaturas - mas nada que prejudique seu personagem, um típico cidadão norte-americano que não quer ser visto como um perdedor (aqui, esse clichê passa longe de ser irritante). Já Leoni também tem bons momentos isolados, como quando Jane tenta mascarar aos seus conhecidos que sua situação econômica não está boa, sempre inventando alguma desculpa. Completando o elenco, temos um Alec Baldwin pouco explorado e um Richard Jenkins apenas correto, sem maior brilho.
O diretor Dean Parisot, egresso da TV, consegue tirar boas atuações do elenco que tem em mãos, muito ajudado, claro, pelo talento dos atores. Embora não haja tomadas inovadoras e dirija de forma comedida (o que atrapalha em certos momentos), seu trabalho mostra-se harmonioso com os dos companheiros da parte técnica - tanto a fotografia de Jerzy Zielinski, proporcionando panorâmicas positivas, quanto a direção de arte da dupla Gregory S. Hooper e Troy Sizemore (algumas fantasias utilizadas pelo casal nos assaltos são de fato hilárias) auxiliam no resultado adequado dos planos de Parisot. Já as músicas de Theodore Shapiro soam irregulares: enquanto umas são decentemente aplicadas, outras não conseguem o mesmo feito, já que se apresentam intensas na distração.
"As Loucuras de Dick e Jane", a despeito dos furos e exageros evidentes, é um passatempo interessante e indicado a todos. O filme não tenta passar a mensagem moralista de que o dinheiro não traz felicidade - afinal, a alegria das personagens está intimamente ligada à grana. Produzido pelo próprio Jim Carrey e por Brian Grazer (responsável por vários sucessos comerciais, como "Uma Mente Brilhante" e, mais recentemente, "O Código Da Vinci"), o longa encaixa-se perfeitamente no estilo comédia despretensiosa. O carisma dos protagonistas e as suaves citações à atualidade incrementam o filme, tornando-o agradável e superior aos concorrentes do gênero. Seja você fã ou não de Jim Carrey, é uma boa pedida.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário