Pretensioso e falho nos seus objetivos, só destaca-se, ralamente, em sua parte técnica.
Poucos filmes foram tão metralhados pela crítica internacional quanto Tiresia, de Bertrand Bonello, que começou sua fracassada carreira internacional no Festival de Cannes. Também quando o filme estreou no Brasil a "crítica" sentou o malho. Até mesmo a diretora da Mostra Internacional de Cinema, Renata de Almeida, disse que traria o filme para o Brasil apenas para divulgar informação – e olha que o pessoal da Mostra adora filmes bem difíceis de assistir, não se intimida fácil.
São longuíssimos e intermináveis 111 minutos de quase tortura. Não que seja de todo ruim. Tem bela fotografia, inspirada nos quadros de Balthus, mas o roteiro pretensioso, os atores, temíveis (tanto o francês quanto os brasileiros), diálogos literários, ritmo falho, terminam num todo nada convincente. Só os enquadramentos, muito bonitos, se salvam, mas são insuficientes para prender a atenção por tanto tempo.
Conta a história desse padre (Laurent Lucas) que trancafia um travesti (Clara Choveaux, na forma feminina) em um fazenda distante e, à medida que fica sem os hormônios, vai voltando à forma masculina (Thiago Telès, sem nenhuma correspondência física entre eles, apesar de fazerem o mesmo personagem). Num momento de ira, ele cega o rapaz, que desenvolve poderes mediúnicos e torna-se uma celebridade local.
O que leva um padre do interior da França a se apaixonar por um travesti brasileiro ninguém sabe, ninguém entendeu – aquela história de mitologia grega é furada total, de que o cidadão, especialista em literatura clássica, estava em busca do ser ideal, com a união dos dois sexos. É uma questão que muitos se fazem: por que um cara procura um travesti para transar passivo? Quer uma mulher com pênis? Se há uma resposta (é difícil), ela não está no filme.
O estranho é que a prostituição de rua hoje está praticamente dominada pelos travecos, o fenômeno se dá no mundo inteiro e ninguém tem uma explicação racional para a coisa, exceto de que a liberdade maior na sociedade em relação aos gays liberou-os do gueto. O filme representa essa encruzilhada, o que talvez seja positivo, mas não aprofunda a questão.
Afinal, até o ministro das Relações Exteriores da Comunidade Européia, o chefão do comércio europeu, que ocupou o mesmo cargo na Inglaterra, é hoje casado com um brasileiro que ele conheceu nas ruas de Roma vestido de mulher. Os brasileiros são os travestis mais conhecidos e badalados de Roma, um fenômeno, tanto que o diretor escalou dois atores brasileiros para se revezarem no papel principal. Por que fazemos tanto sucesso com esse novo produto de exportação do Brasil, ainda não descobrimos as razões.
Houve até outro filme nacional, igualmente ruim, chamado Princesa, de Henrique Goldman, que conta de maneira quase documental a trajetória de um deles travestis brasileiros que foram para a Itália e termina se tornando amante de um alemão, com final trágico. Tanto esse Tiresia quanto Princesa ficam na superfície e nos estereótipos que tanta graça o público acha. Quem se saiu melhor no tema foi Almodóvar, que tem uma coleção de travestis, a maioria drogados, em seus filmes, inclusive como protagonista, em A Lei do Desejo, provavelmente seu melhor filme. Conta a história de um transexual que trocou de sexo para casar com o próprio pai (exacerbação violenta do complexo de Electra, aquele em que mãe e filha brigam pelo pai). O pai, no entanto, termina abandona-o por uma mulher de 30 anos, “legítima”, digamos assim.
Enfim, Tiresia falha tanto como filme como na tentativa de discutir a questão dos travestis, esses seres ainda enigmáticos e tão discriminados pela sociedade atual.
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