Um novo terror com um excelente início e final, mas não é melhor por causa do miúdo do enredo.
Jogos Mortais é um daqueles filmes que, de tempos em tempos, aparece para dar um novo gás à um já cansado gênero. Ele não traz absolutamente nada de novo e aproveita tudo o que já fora utilizado antes em outros suspenses, mas é tão completo que, mesmo com suas falhas, serve como um ótimo entretenimento em meio à toda essa escassez de bons títulos da espécie. É mais um filme com serial killers e personagens tentando sobreviver, mas ao invés de seguir uma linha teen, com jovens bonitões sendo mortos seqüencialmente por algum perseguidor secreto, aqui o suspense fica não em quem será o próximo, mas em como o assassino articula as suas mortes.
Saindo da linha mais tradicional desse tipo de história, Jigsaw é um assassino em série que, teoricamente, não mata as suas vítimas. Ele as coloca em uma situação tão extrema, de vida ou morte, que a única saída para a sobrevivência é derramar ainda mais sangue de uma outra pessoa, causando um trauma eterno no sobrevivente. Seu argumento para o que faz é que as pessoas não dão valor à vida e, como qualquer louco nesse sentido, se acha Deus para julgar quem vive certo ou errado, a ponto de expô-los a tais horríveis situações quando ele acha que alguém está prejudicando sua própria vida. Ele age como um 'salvador', mais ou menos como o atirador de Por um Fio agia no filme, mas aqui de forma mais bruta e chocante.
Dessa forma, conhecemos as duas bolas da vez: Dr. Lawrence Gordon (Cary Elwes) e Adam (Leigh Wahnnell). São dois caras que não se conhecem, mas são obrigados a trabalhar em conjunto quando entram na mira do assassino para saírem vivos dessa situação. Eles acordam em um estranho banheiro velho e mal cuidado, cada um em uma extremidade diferente, com grossas correntes nos pés que os prendem a longos canos nas paredes, limitando bem o seu espaço de ação no local. No centro dos dois, há um homem banhado no próprio sangue, após estourar sua cabeça com uma Magnum .44, e com um gravador em sua outra mão. Quando cada um dos dois descobre uma fita em seus bolsos com a descrição 'Play Me', o jogo começa.
O roteiro utiliza de constantes flashbacks para explicar tudo no filme, desde o porquê os dois estarem ali até como o bandido age contra vítimas passadas. Através desses flashbacks, conhecemos o detetive David Tapp (Danny Glover), que caça obsessivamente Jigsaw, após este ter matado o seu parceiro e amigo quando ambos estavam prestes a prendê-lo. Além de muitas vezes longos e quebrarem o bom ritmo que há no banheiro, a participação de Danny Glover se dá mais como um coadjuvante de luxo para que tudo aconteça do que um personagem realmente útil à trama. Mesmo assim, o ator está bem e convence como o policial que, aos poucos, vai enlouquecendo também atrás de seu procurado.
O que faz os flashbacks funcionarem, apesar de seus defeitos, é o fato de todos eles estarem bem dirigidos e, com isso, prenderem nossa atenção. São nesses momentos que acontecem algumas das cenas mais chocantes do filme, pois mostram como o serial killer agiu com vítimas anteriores com seus joguinhos de vida ou morte. A criatividade e como tudo é colocado na tela nos fazem suar frio, seja de tensão, angústia ou medo. Aliás, este é um dos filmes mais angustiantes que surgiram no cinema nos últimos tempos, junto com Mar Aberto. Isso é resultado de uma perfeita adaptação do espectador ao que está acontecendo na tela, pois o medo que nos é transmitido de estar na mesma situação que a pessoa da tela é totalmente controlado pelo diretor, que demonstra um bom timming ao construir as cenas.
Se você não for tão distraído a ponto de esquecer o banheiro enquanto os flashbacks acontecem, eles irão adicionar bastante. É necessário, sempre, uma total assimilação do que está sendo mostrado; que se prenda ao porquê daquilo estar ali na tela. Não é um filme gratuito ou sem propósito, o que é outro mérito de sua história (escrita pelo próprio diretor estreante James Wan, junto com Leigh Whannel, o Adam do filme, responsável também por adaptar a história ao roteiro). O bom é que tudo o que é previsível na história está nas mãos do diretor. A gente sabe o que ele quer que saibamos, mesmo que uma pessoa ou outra se ache malandra por estar descobrindo o que está por trás daquilo tudo antecipadamente.
É nesse momento que o final vem de forma avassaladora. Se você é um daqueles que curtem finais do tipo O Sexto Sentido ou Os Suspeitos, em Jogos Mortais você encontrará um prato cheio. É exatamente o tipo de filme que parece ter sido escrito à partir de uma idéia final, de trás para a frente, de modo que deixe a todo momento pistas espalhadas secretamente pelo filme que, ao seu final, nos gritam por uma revisão urgente. Você terá vontade de rever Jogos Mortais assim que ele terminar, o que é uma grande qualidade do filme, principalmente porque um milhão de perguntas vem à cabeça assim que os créditos começam a surgir na tela. Mas, se pensadas com cuidado, perceberá também que todas as respostas estão lá, nas duas horas anteriores.
A primeira vista, essa reviravolta final vai parecer um tanto quanto forçada. Fica a torcida para que, quem quer que pense dessa maneira, não se detenha a pensar um pouco mais e descobrir o porquê do diretor ter feito o final dessa maneira, ao invés de sair profanando um 'não gostei' a todos com quem falar sobre o filme. Agora uma coisa eu tenho certeza: para aqueles que gostam de se assustar durante quase todo o filme e, ao final, ainda quebrarem a cabeça com um bom enigma, Jogos Mortais é a pedida certa. Os detalhes estão lá, para serem revisados e, alguns, são até geniais (como o caso do tambor da arma - após a análise eu explico).
Contando com uma trilha sonora pesada que não necessariamente pretende assustar, Jogos Mortais não apela para sustos fáceis e nem para belos atores para ser bom. Com um clima absurdamente perturbador ao nos deixar sempre conscientes do que pode acontecer aos personagens, o promissor diretor James Wan cria uma obra que, de tão boa, deixou de ser lançada diretamente em vídeo para invadir os cinemas de todo o mundo. Filmado em apenas dezoito dias e com um orçamento bem limitado, ele prova também que não é necessário rios de dinheiro para se fazer um bom filme. Muitas vezes, acreditem, a falta dele ajuda um trabalho a sair melhor e mais criativo, bem como o caso em questão.
Agora se você tem algum problema de coração ou medo excessivo de morrer, fique em casa. Este filme pode mexer até demais com seus nervos.
Texto a ser lido apenas por quem já assistiu ao filme
Bom, o filme termina com um final absurdamente inesperado, o que, naturalmente, gera uma série de dúvidas sobre seu conteúdo. Meu primeiro questionamento fica quanto à personalidade de Zep. A todo momento em que aparece ou fala, parece ser uma pessoa muito fria e calculista, quando na verdade ele era tão vítima quanto Adam, o Doutor e sua família. Em certos momentos, chega a ter prazer no que faz, como quando ele liga para o Doutor e coloca sua mulher na linha. Parece que está fazendo aquilo por tesão, quando, na verdade, ele deveria estar desesperado, devido a sua situação. Obviamente esse erro provém da necessidade de que Zep pareça o vilão na história, desviando a atenção do 'morto' no chão.
Outra coisa que não consegui achar uma explicação plausível é o fato do assassino ficar lá deitado, naquela mesma posição, com uma arma numa mão e o gravador na outra. Como ele conseguia, então, dar o choque em suas presas quando queria? Não era Zep que o fazia, pois quando o assassino dá um choque em Adam, quando este tenta atirar nele, Zep já estava morto no chão, com um pedaço de privada na cabeça. O único momento em que o assassino poderia ter pego o controlador, é na hora em que o Doutor utiliza o apagão. Só que isso não fica claro, sendo mais um detalhe estranhamente escondido na trama.
O sangue no chão me incomodou ainda mais, pois há uma incoerência no modo em que ele é utilizado. Se ele era tão venenoso a ponto de matar Adam com um pequeno banho no cigarro, por que o assassino estava deitado em cima dele? A incoerência fica por conta de que, se o assassino queria que o Doutor realmente matasse Adam com o cigarro, o sangue estava envenenado de verdade. Logo, ele não poderia estar deitado em cima dele. Lógico que, se o sangue não fosse envenenado, calculista como era, o assassino não guiaria o Doutor e Adam por esses caminhos, e sim por outros, desviando sua atenção do sangue.
Mas ao mesmo tempo em que Jogos Mortais apresenta alguns defeitos, como os três exemplos acima, ele também acerta em pequenos detalhes que enriquecem a trama. O exemplo que citei no texto acima é o do tambor da Magnum. Genial, por sinal. Como o cara do chão poderia estar morto se o tambor estava vazio, quando o Doutor abre o tambor da arma para colocar a cápsula antes de atirar em Adam? A Magnum não cospe a cápsula após o tiro, então era para ela estar lá. Quando sabemos que o cadáver não era um cadáver, e sim, o próprio assassino, na mesma hora assemelha-se o fato de não ter uma cápsula no revólver.
São detalhes como esses que deixam Jogos Mortais infinitamente a frente de obras ridículas que tem saído por aí do gênero. É para se ver várias vezes com gosto de descobrir uma coisa nova a cada vez que é assistido, principalmente por ele conseguir nos manter presos, atentos e muito, muito tensos durante toda sua duração.
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