Falhando em contar o modo como tudo começou, pelo menos a parte técnica é bacana.
Depois de duas continuações, finalmente o prequel de O Exorcista chega as telas de todo o mundo. Demorou até um produtor perceber a deixa para um filme contando os fatos que antecederam O Exorcista e resolverem contar a história de como tudo começou. E nada mais conveniente que ele tenha chegado em um ano de inúmeras continuações no cinema, algumas agradando em cheio, outras seguindo o clichê da busca desesperada por novas cifras sem a menor preocupação com a qualidade ou os fãs. Infelizmente, O Exorcista: O Início se enquadra nesta segunda categoria, com uma história que beira o ridículo se levarmos em consideração o leque de opções que a série carrega nas costas.
O filme se propõe em contar a história do primeiro encontro do Padre Merrin (Stellan Skarsgard) com uma entidade diabólica incorporada. O encontro acontece no Cairo, mais precisamente em 1949, ainda sobre a poeira da guerra, logo após a descoberta de uma igreja que não deveria estar naquele local seguindo o pensamento histórico lógico. Porém, a igreja está lá e precisa ser desvendada. O Padre William Francis (James D’ Arcy) une-se ao arqueólogo Lankester Merrin para explorar os mais profundos segredos do templo. Só que Merrin anda com a fé meio abalada depois de um caso presenciado durante a Segunda Guerra, quando ele era padre. Logicamente a sua participação na exploração define-se muito mais importante do que apenas a necessidade de seu conhecimento. Há inclusive um teor capitalista em sua busca, pois ele está neste local para procurar um objeto de valor soterrado em meio aquela construção.
Só que essa proposta de contar como tudo começou falha vergonhosamente, principalmente porque a origem de tudo é apenas um detalhe em meio a toda trama convencional de um caso de possessão. Ou seja, ao invés de nos confrontarmos com a curiosidade de saber como tudo começou, apenas encontramos com o teoricamente primeiro caso de exorcismo que o Padre enfrentou. O mais decepcionante ainda seja que deparamos com um drama psicológico, e não com o esperado terror que faça nossa espinha arrepiar de tanto medo. Quando pensamos em O Exorcista, é claro que não estamos interessados apenas em tomar susto ou apenas no drama de um personagem, e sim saber como o incorporado utilizaria o drama psicológico do personagem para causar o terror (como aconteceu no primeiro filme, o incorporado toda hora tentando fazer com que o Padre perca sua fé tocando em suas feridas mais íntimas).
Mas não é por aí que O Exorcista: O Início percorre seu caminho. Durante uma hora e quarenta minutos do filme, fica uma interrogação sobre o que estaria acontecendo naquela pequena localização do Cairo, para no final concluirmos o óbvio: há um espírito maligno no local e ele deve ser expulso pelos padres. Ou seja, ao invés do roteiro trabalhar a relação entre o padre e seu primeiro caso, temos esse confronto apenas nos quinze minutos finais do filme. Se esse tipo dececepção não bastasse, a exorcição executada pelo Padre Merrin é simplesmente ridícula, uma vez que o incorporado começa a brincar de gato e rato com o padre numa cena que mais parece videogame do que um filme de terror. O incorporado chega a parecer uma aranha andando pelas paredes, para se ter uma idéia. E ele trata o caso como se estivesse super acostumado, o horror de estar vendo aquilo pela primeira vez não é aproveitado em nenhum momento pelo filme (ele fica mais surpreso em O Exorcista do que em O Início!).
Todo o resto do tempo é usado inteiramente para construir o personagem e o confronto final. O desenvolvimento da situação apela para sustos mais fáceis, principalmente sons altos com alguma imagem assustadora aparecendo, o que já é clichê do gênero. A culpa disso é do diretor Renny Harlin e dos produtores, uma vez que demitiram o antigo diretor Paul Schrader (de Auto Focus) por achar que sua versão era apenas um drama e investiram em Harlin para tentar deixar o filme mais assustador. Ou seja, o filme foi praticamente refeito e todos esses sustos artificiais adicionados. Talvez a versão de Schrader fosse mais interessante, uma vez que assumisse que não teria um lado assustador, e sim uma construção de personagens, mas talvez nunca cheguemos a assistir tal versão. Com o lançamento do DVD, talvez. O primeiro diretor do longa (Harlin foi o terceiro), John Frankenheimer, faleceu um mês após abandonar o projeto, e há quem ligue o incidente às lendas urbanas obscuras que costumam rondar as curiosidades sobre os bastidores da série O Exorcista, apenas para efeito de curiosidade.
Apesar de toda a tragédia com relação a história, há ainda alguns poucos fatores a favor do filme. O primeiro deles é, sem dúvida, a pouca preocupação com a censura, nas poucas cenas em que o filme mostra algo de forte (o que deveria ter acontecido com uma freqüência infinitamente melhor), como por exemplo o corpo que é achado dentro da igreja. O segundo deles é a belíssima fotografia, que até contrapõe um pouco o clima que o filme desejava alcançar (o primeiro Exorcista, por exemplo, tinha a seu favor uma captação da imagem no máximo mediana), e apesar do ar de espetáculo criado, consegue ser linda e funcional. O terceiro acerto que impede a tragédia total são os personagens, que apesar de esteriotipados e serem forçados a uma terrível reviravolta no final (que dá um furo enorme de roteiro com as cenas das crianças e hienas), conseguem nos fazer preocupar com seus destinos.
No fim das contas, O Exorcista: O Início revela-se muito ruim, mas com suas poucas qualidades, faz-se apenas uma curiosidade para os fãs da série. Para quem esperava não conseguir dormir depois da sessão do filme, o desapontamento vai ser grande.
A cena das hienas é bem chocante por não esperarmos que seja mostrada, mas no geral o filme fica devendo.....