Saltar para o conteúdo

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças

(Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)
8,6
Média
1702 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Mais uma loucura de Charlie Kaufman, com um Jim Carrey sensível que não deseja esquecer seu grande amor.

9,0

O que parecia impossível aconteceu: Charles Kaufman se superou. Kaufman já havia escrito algumas semi obras-primas, como os magníficos roteiros de Quero Ser John Malkovich e Adaptação, então já sabia que podia esperar algo bom de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Esperava algo bom, mas, sinceramente, não tão bom! Além de demonstrar o inteligente modo de contar histórias a que estamos acostumados, aproveitando todas as ramificações que o fio condutor principal proporciona, dessa vez ainda há um tema bastante comum, discutido entre praticamente 99% das pessoas que irão assisti-lo: os problemas de relacionamento. Kaufman é um caso raro atualmente em Hollywood, onde o roteirista consegue chamar tanta atenção quanto as estrelas que atuam nos filmes em que escreve (já que não dirige seus trabalhos).

Dessa vez, o buraco é muito mais embaixo do que apenas contar uma história divertida. E se você pudesse apagar de sua memória toda uma recordação, seja aquele animal de estimação falecido recentemente ou, ainda pior, esquecer aquela pessoa que você mais amou na vida e recentemente lhe causou uma mágoa? Se isso fosse possível, imagine quantas pessoas iriam apagar outras simplesmente por impulso, raiva passageira? Imaginem quantos filhos não iriam apagar seus pais das cabeças, quantas namoradas iriam apagar namorados por besteiras (e vice-versa) ou quanta história de diversas pessoas iriam sumir por ser muito mais fácil esquecer do que tentar vencer obstáculos?

É exatamente por essas linhas que Kaufman trabalha seu novo roteiro. Jim Carrey interpreta Joel, um marido magoado por sua esposa tê-lo deletado de sua vida. Inconformado, resolve retribuir na mesma moeda e procura o Doutor Howard Mierzwiak para passar pela mesma experiência. No decorrer da operação, Joel percebe que, na verdade, ele não quer excluir Clementine de sua vida, e sim manter bem vivos em sua memória os momentos que foram felizes. Olhando essa sinopse, tudo pode parecer simples. Mas quem conhece Kaufman sabe que não é nada disso. Joel começa então uma luta em sua própria mente para tentar não esquecer Clementine, levando-a para lugares em sua memória onde ela não esteve na verdade, assim escondendo-a do "deletamento" ao qual estava se submetendo. Esse é um dos grandes trunfos de Kaufman: a brincadeira do roteiro nas mais diversas situações.

O melhor é que tudo faz sentido. Apesar de poder ficar um pouco perdido durante grande parte do filme, pensando nele aos poucos é possível perceber que tudo se encaixa maravilhosamente bem. Constantemente entramos dentro da mente de Joel na história, conhecendo o passado do personagem, o que pode confundir os menos atentos pelas idas e vindas na vida de Joel. Aliás, a atenção é um dos pontos importantíssimos que uma pessoa deve ter ao assistir Brilho Eterno, já que até para entender os sofrimentos dos personagens, é necessário estar por dentro da bola de neve sentimental em que o casal Joel e Clementine estavam.

Momentos bons são contrastados com momentos muito ruins da relação, o que nos faz torcer por eles, pois é claramente possível ver o quanto os personagens se amavam antes da decisão de um deletar o outro. Isso torna o filme muito terno, sensível, tocante, pois sabemos que aquele tipo de situação está presente na vida de qualquer um. Deixando as besteiradas de lado, será que apagar uma pessoa da cabeça valeria realmente a pena? Esse é o questionamento final (calma, não contei nada de importante, esse é o fio condutor básico do filme). Será que, mesmo com todos os problemas dentre uma relação, o caminho mais fácil é simplesmente esquecer tudo o que já passou com a pessoa amada?

Outra grande sacada da história é integrar todos os personagens dentro da situação, tendo eles feito ou não a operação em sua mente, todos se questionarão da mesma maneira, aproveitando bem todos os que passam, de alguma maneira, pela tela. Como falei no início da análise, muitas pessoas poderiam tomar a decisão premeditadamente de deletar uma outra pessoa, e isso é explorado no filme, mostrando os dois extremos da razão, se é que existe uma: Joel, o desesperado embarcando nessa por vingança, e Clementine, a magoada na relação - claro que não direi o porque de sua mágoa. Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças é isso mesmo, uma grande reflexão sobre escolhas e destinos da vida.

Mas ele não é feito apenas de história. Jim Carrey prova mais uma vez que sabe ser sério em uma atuação brilhante, conseguindo dar ao espírito de Joel toda a angústia que o personagem vive. Isso é totalmente perceptível, acredite, você uma hora ou outra estará angustiado com a situação junto com o personagem. Se você é um dos que vai ao cinema esperando por caretas e outras piadas físicas, o jeito é mesmo ficar em casa. Kate Winslet abandona o jeito inocente de Titanic e encara uma personagem totalmente adversa: de cabelos pintados e falando o que quer, Clementine é uma mulher que em nada tem a ver com Joel. Pela ótima química do casal, fica ainda mais fácil embarcar na história de como duas pessoas tão diferentes foram e deixaram de ser felizes.

Elijah Wood deixa o hobbit Frodo para trás e encarna um assistente malandrão que se aproveita de uma paciente do filme (como disse, todas as oportunidades são abordadas por Kaufman); Kirsten Dunt está no mesmo caso, sendo explorada em um outro tipo de situação (não posso dizer qual), e ainda mais bonita que em Homem-Aranha (aliás, não a acho bonita neste filme). Tom Wilkinson encarna o doutor que inventou a experiência, mas sua participação é maior do que isso e, para finalizar o leque de atores principais, temos Mark Ruffalo interpretando o namorado de Kirsten, o homem de confiança do Dr. Howard e que executa muitas das operações de seu consultório.

Quanto a parte técnica, é interessante ver um filme utilizando de efeitos especiais que não sejam explosões ou carros voando pelos ares, principalmente porque todos os ótimos efeitos usados em Brilho Eterno são realmente necessários para que a história progrida. Juntando isso com a excepcional montagem, que vai ligando tudo de maneira brilhante e juntando cenas bem distantes em sua temporalidade com uma suavidade incrível, podemos dizer que a parte técnica está impecável. A fotografia é linda, realista, o que contrasta justamente com todo o mundo onde a história está se passando, e as músicas são bem bonitas e tocantes, ao contrário do que a maioria das comédias românticas costumam fazer (tentar melhorar o filme colocando músicas famosas).

Apesar de toda essa maravilha, ele ainda tem alguns defeitos, como uma ou outra redundância de idéias e a extensão desnecessária de algumas cenas. Talvez pela pouca experiência do diretor Michel Gondry, mas ainda assim este já demonstra um enorme talento. Porém, isso é pouco diante da excepcional experiência que é assistir à Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. Ver um filme como esse ou Embriagado de Amor me faz ter esperança de que as comédias românticas ainda têm futuro. Claro que não poderia deixar passar em branco o excepcional título do filme. Para se ter uma idéia de toda a reflexão que o filme provoca com suas idéias, tente pensar profundamente no significado e na beleza que "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" inspira. Garanto que você não ficará indiferente quanto à esse filme, em todos os sentidos.

Comentários (4)

Delvan Cordeiro de Souza | sábado, 22 de Outubro de 2011 - 17:49

Esse filme é sem dúvida uma obra prima. Sua narrativa deixa o espectador apreensivo e tenso logo no início, afinal, não é deixado muitas pistas para se saber o que realmente acontecerá em seguida. Imprevisível (especialmente para quem vai assistir sem sequer ter lido a sinopse do filme - como eu) e expressivo. Esse é um dos filmes para se guardar como relíquia para o resto da vida.

Renan Fernandes | quarta-feira, 29 de Maio de 2013 - 00:30

Uma das poucas comédias românticas que me eu admiro muito...original, surpreendente e emocionante

Victor Henrique Schmidt Timm | domingo, 08 de Março de 2015 - 00:42

Até quase o fim achei que seria apenas um filme médio/bom. Mas foi ficando cada vez melhor o filme, e comecei a ver que chegaria no patamar de bom/ótimo, e sei disso pq são os filmes que fico de cara quando acabam. E esse foi um deles. Baita filme.

ana paula mello | terça-feira, 28 de Abril de 2015 - 14:18

Não acho que se trate, em hipótese alguma, de uma "comédia romântica". Pelo contrário, é um drama, que tem no seu epicentro, uma relação romântica, mas, como bem salientado, a tese sustentada por ele poderia ser aplicada a relações humanas de diversas matizes. O fato de Jim Carrey interpretar a personagem principal não aproxima o filme, em momento algum, de uma comédia. Ele, ao invés, está esplêndido num papel inteiramente dramático. É, de longe, sua melhor atuação. Considero este, juntamente com Brokeback Mountain, os filmes mais maduros e bonitos que o cinema americano produziu sobre relação romântica neste começo de século XXI. Não consigo lembrar de outros filmes, feitos neste período, que não contenham pelo menos um clichê sobre esse assunto.

Faça login para comentar.