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Críticas

Cineplayers

Simone brinca com a computação no cinema, e ainda assim consegue ser um drama sólido.

6,0

A especulação sobre o assunto começou lá pela metade de 2001. O lançamento mais comentado dos cinemas era Final Fantasy: The Spirits Within. Naquela época, que aparenta fazer bem mais tempo do que apenas dois anos, surgiu a seguinte pergunta: num futuro próximo, os atores correm algum risco de serem inteiramente substituídos por personagens gerados por computador? Não estou falando das animações da Pixar ou Dreamworks, e sim de filmes sérios, importantes. Isso porque os personagens de Final Fantasy eram, na época, os mais fotorealistas já criados, chegando em vários momentos a serem confundidos com atores de carne e osso. Logicamente, ainda havia várias imperfeições, que não conseguiam – ainda – enganar nossos cérebros, principalmente a movimentação corporal, facial e labial (essa última o maior “defeito” do filme).

Simone (oficialmente é S1m0ne, uma analogia aos zeros e uns que os computadores interpretam) faz dessa especulação um filme. Escrito e dirigido pelo competente Andrew Niccol, o responsável pelo brilhante roteiro de O Show de Truman – O Show da Vida, Simone é uma personagem totalmente digital, criada por um viciado em computadores. Convenientemente, o software responsável pela existência de Simone pára nas mãos do diretor de filmes de arte Victor Taranski, um sujeito que tem até um certo talento, mas que ainda não conseguiu criar o trabalho que defina a sua carreira. Lidar com estrelas é sempre um problema pra ele, sobretudo quando se sofre a pressão dos executivos do estúdio (e quando um desses executivos é a sua ex-esposa).

Com o milagroso software, Taranski consegue dar vida e colocar na tela não apenas um monte de pixels perfeitamente renderizados, mas uma atriz que realmente parece ser real e que, pelo menos para o mundo criado para o filme, é extremamente talentosa. Taranski usa Simone em uma experiência para tentar salvar um de seus novos filmes do cancelamento e, inesperadamente, consegue um sucesso de crítica e público fabuloso (o que, convenhamos, é algo raro para um filme de arte). Faminto por mais sucesso, logo ele lança um novo filme, com a mesma técnica. E consegue um sucesso maior ainda.

Taranski é a nova revelação de Hollywood, e Simone ganha as manchetes e capas de revistas de todo o planeta. O problema – e coloca problema nisso! – é a dificuldade de Taranski em “esconder” Simone. O filme, nesses momentos, adquire status de comédia quase pastelão, que funciona muito bem, com algumas cenas especialmente hilariantes, como quando a ex-esposa de Taranski insiste em ter uma conversa pessoal, face-a-face, com Simone. A alternativa encontrada pelo diretor para essa conversa é incrivelmente divertida – na minha opinião, a cena mais engraçada do filme.

Mas Simone é um filme muito mais complexo que apenas uma comédia sobre os bastidores de Hollywood. É sobretudo um drama, bastante forte, dos bastidores de Hollywood. O filme, por exemplo, parodia (exagera) o culto às figuras das celebridades. Simone é amada nos quatro cantos do planeta, e mesmo quando revela-se cheia de problemas, digamos, anti-éticos, o público continua amando a estrela. É aí que vem o exagero, talvez o diretor-roteirista Niccol não soube dosar muito bem algumas passagens de seu filme. Fica difícil acreditar em tudo o que se vê – o ser humano, mesmo o mais vendido pela mídia, não pode ser tão estúpido quanto é pintado no filme.

O filme também conta com várias dessas passagens irregulares, onde o roteiro continua forçando a barra. O final, por exemplo, depois de ter uma passagem extremamente forte e emocionante em relação ao destino do diretor Viktor Taranski, resolve resolver tudo de uma maneira boba e risível, digna de filmes “sessão da tarde”, o que acaba estragando o impacto que a cena anterior tinha. Claro, com relação ao software responsável por Simone, não precisa-se nem comentar. Se fosse possível criar algo do tipo hoje em dia (no futuro, quem sabe, mas nunca hoje em dia), seria considerado uma maravilha para os executivos dos estúdios. Por isso aquela especulação inicial, posso garantir, por uns bons anos ainda, vai ficar só na especulação mesmo, ou seja, não é logo que atores virtuais substituirão os reais, como Simone quer demonstrar.

Mesmo com suas falhas, o filme é incrivelmente feliz ao retratar com bom-humor o mundo dos bastidores de Hollywood (embora o faça bem superficialmente, e com bastante invencionismo). A campanha de marketing para o filme nos Estados Unidos foi bastante original: antes do seu lançamento, criou-se um site especial, não sobre o filme, mas sobre a própria pseudo-atriz Simone, como se ela fosse real. O site continha sua filmografia (que pode ser acompanhada no filme de verdade) e fotos da atriz. Simone é interpretada por Rachel Roberts, em seu primeiro trabalho para o cinema. Quando lançado nos cinemas, o seu nome não aparecia nos créditos, sendo incorporado apenas mais tarde, no lançamento em DVD (o filme chegou com um imenso atraso ao Brasil). A atriz é belíssima, porém o filme faz parecer que suas interpretações são de outro mundo (ou seriam os espectadores que estão hipnotizados?), quando na realidade não chegam nem perto. Nesse momento em particular, pelo menos, o tom de paródia que Niccol dá ao filme é perfeito. Na vida real, muitas interpretações também são supervalorizadas por pré-conceitos que os críticos em geral têm de atores já consagrados.

Não se sabe se o objetivo de Niccol com o tal final piegas foi criar uma auto-referência (algo que Adaptação fez magistralmente, usando uma técnica no final que o próprio filme criticou antes dele), demonstrando como em Hollywood tudo é muito bom e bonito, e sempre acaba bem. Se foi o objetivo do diretor, ele realmente não combina com o conteúdo anterior. Acabando 10 minutos antes, S1m0ne seria um filme bastante especial, e principalmente muito melhor. Mesmo assim, ainda é um trabalho bem interessante e com um toque de originalidade muito bom. Final Fantasy em 2001, agora Simone. Por enquanto o trabalho de atores virtuais substituindo atores reais ainda não é uma realidade (ainda bem), mas no futuro, se as estrelas continuarem sendo tão trabalhosas como a que Winona Ryder interpreta neste filme (em um papel coadjuvante muito bem executado), é bem possível que diretor e executivos não pensem duas vezes: - tragam logo esse computador pra cá!

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