Um filme certamente cheio de controvérsias, porém sem muito conteúdo real.
Antes de mais nada, que fique bem claro: não tenho o objetivo de citar religião, Bíblia, nem tentar separar o que poderiam ser fatos do que realmente pode ter acontecido, há mais de 2000 anos. Esse tipo de arrogância, a que a maior parte dos críticos está exercendo, acaba estragando a percepção real do filme, influenciando em qualquer análise objetiva e justa. Também não tenho o objetivo de dar suporte à fábrica de rumores e controvérsias que fez esse filme pequeno e independente alcançar o status de arrasa-quarteirão nos Estados Unidos, disputando os primeiros lugares das maiores bilheterias de todos os tempos. A maior parte disso é publicidade barata: os produtores riem à toa cada vez que um padre, pastor, bispo ou seja lá quem for vai à imprensa apoiar ou crucificar (!!!) a obra de Mel Gibson.
Tudo isso, sem exceção, é uma grande bobagem INÚTIL (sim, em letras capitais). Em primeiro lugar, ninguém, mas ninguém mesmo, vai mudar sua opinião em relação às suas crenças, a Jesus, aos judeus, aos ateus, ou seja lá quem for. Os conflitos desse jeito só aumentam, e já chegaram no ponto de se tornarem ridículos e risíveis, tanto na Internet quanto na mídia escrita e televisiva. O mais decente a fazer é analisar A Paixão de Cristo sabendo-se que é um filme baseado em alguns fatos reais e outros, exagerados talvez pela percepção de um diretor que tem suas próprias crenças e opiniões, e isso deve ser ao menos respeitado, afinal o filme (e o dinheiro da produção) é dele e ele tem o direito de passar a mensagem que quiser, ofenda a quem ofender. Mas conseguir separar fato de ficção, como já foi dito, não é meu objetivo, até porque nem os historiadores conseguiram fazer isso até hoje com precisão, então não serei eu a sequer ousar em pensar tentar.
Confesso que o meu maior interesse antes de assistir ao filme era saber o que diferenciaria esse novo filme religioso, que tem uma história já contada dezenas, talvez centenas de outras vezes, daqueles que passam nos dias de Páscoa na televisão aberta, com atores desconhecidos, e com que poucas pessoas parecem se importar. O que faria do filme de Mel Gibson algo tão superior a esses filmes, a ponto de mobilizar milhões de pessoas ao redor do mundo em discussões ferventes sobre o tema e afins. Pois bem, a resposta é óbvia: Mel Gibson demonstrou entender muito bem a linguagem cinematográfica (sua experiência anterior, principalmente em Coração Valente, já havia provado isso), e sabe o que pode encantar os espectadores, de modo geral.
A Paixão de Cristo é um belo exemplo de como um diretor pode manipular seus espectadores, utilizando-se de uma linguagem super-dramática em momentos-chave de uma história. E essa, claro, não é uma história qualquer: ela tem apelo quase universal. Mais um motivo para aproveitar-se de seu público. Não é um ponto exatamente negativo, afinal uma das principais características do cinema é encantar, exibir na tela imagens que toquem o coração do espectador. Jesus apanhando e caindo em câmera lenta é, sem dúvida, uma imagem de impacto na cabeça de um público que deseja ser entretido e emocionado. E Mel Gibson usa e abusa da câmera lenta ao longo de todo seu filme, sempre acompanhada de uma trilha sonora que ajuda na super-dramatização.
Mas antes que me crucifiquem, deixo claro que entretenimento não é o foco do diretor: seria sacrilégio dizer algo assim, não há nada de divertido ver o sofrimento alheio, quanto mais o de quem “veio para nos salvar”. O filme é forte, muito forte. Até demais para a platéia que está assistindo a ele (com a mega-publicidade, boa parte dela gratuita, certamente parte do público irá à primeira vez no cinema para ver ESSE filme), a prova disso é que esse foi o filme onde mais gente abandonou uma sessão em que eu estava. O grafismo é assustador. Dizem que Jesus veio ao mundo para nos salvar pelo seu sofrimento, então só devemos mesmo agradecer, porque nenhum ser humano “normal” conseguiria agüentar metade do que esse homem sofreu.
Mel Gibson realmente quis chocar. Não é o filme mais violento já lançado, mas não ficaria muito para trás em qualquer lista. Fica a pergunta se utilizar-se do sofrimento alheio para promover um espetáculo como esse é uma atitude honesta. Não saberia responder, mas o público, mesmo assustado, está indo ao cinema para conferir o resultado. Já virou quase uma obrigação presenciar as últimas horas de Jesus, desde sua captura, passando pelo seu julgamento até sua morte na cruz. De bônus, o espectador recebe algumas mensagens bíblicas em forma de flashback (“- Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, ninguém vem ao Pai senão por mim”). Tudo claro, com aquela característica de fazer emocionar.
No final das contas, independente de saber ou não que se está assistindo a uma manipulação deliberada, fica difícil conter a emoção. Mesmo vencendo a câmera lenta, a trilha sonora cuidadosamente executada, a mensagem ainda fica. A mensagem conhecida por todos: de esperança, fé e amor ao próximo. Infelizmente, só o próprio Jesus parece compreendê-la da forma adequada. Os romanos são mostrados como monstros; os judeus como mentirosos e hipócritas (se não confirmando, pelo menos justificando as acusações do filme de ser anti-semita, embora se é ou não, de fato, só o diretor para dizer – e ele certamente não confirmará isso).
Como curiosidade, que para os brasileiros não é muito importante, já que estamos acostumados a assistir aos filmes com legendas, A Paixão de Cristo foi rodado nos idiomas originais da época e do local: aramaico para os personagens judeus e latim para os romanos. Falando da parte técnica, o destaque vai mesmo para a maquiagem, que torna tudo insensivelmente realista. A trilha sonora é muito caprichada, e a fotografia também é bonita – e algumas tomadas podem ser consideradas lindas. O relativo (para os dias atuais) baixo orçamento não tira os méritos do filme como produção técnica, e essa é outra vantagem sobre aquelas centenas de filmes religiosos comentados anteriormente.
A Paixão de Cristo não é um filme ruim, bem pelo contrário, tem mais qualidades que defeitos. Só que esses são fortes demais para se deixar passar. No fim do dia, a verdade é que, se o Diabo (ou Belzebu, Satanás), realmente existir, é ele quem mais está lucrando com toda a discussão negativa envolvendo o filme. Afinal, “irmãos” não estão respeitando “irmãos” pelo simples fato de não concordarem com as opiniões alheias. Em vez de discutirem a mensagem de amor, discutem a mensagem de ódio que o filme passa, e ainda denominam-se “homens de bem”. A hipocrisia reina nesses dias, e o Diabo ri à toa. Por enquanto, infelizmente, o sacrifício de Jesus parece não ter tido valia.
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