Segundo Aristóteles, a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama. Ele usava a tragédia grega, como “Édipo Rei”, para causar nos espectadores da peça um alívio de suas condições devido ao horror imerecido sofrido pelo herói épico. Com Biutiful, Alejandro González Iñarritu constrói um Édipo moderno e não menos castigado. Assistir a esse longa perturbador, com o agravante de ser uma ficção e vida real, nos faz refletir acerca disso e a catarse acontece inevitavelmente.
Biutiful (e não beautiful)… Abrasileirando: bunito (e não bonito). Sem querer duvidar da inteligência de ninguém para compreender tal erro de grafia, mas é importante enfatizar o nome do filme não só pelo fato de a escrita errônea revelar uma denuncia social disfarçada, mas principalmente por conseguir definir e mostrar um novo conceito de beleza abordado pelo vanguardismo do diretor. O pôster, diga-se de passagem, é o retrato perfeito do longa: Bardem não é bem o típico galã hollywoodiano.
Uxbal (o premiado Javier Bardem) é o pai que Ana e Mateo precisam. Com ausência da ex-esposa bipolar Marambra (Maricel Álvarez), um emprego ilegal e um câncer terminal, nosso herói faz de tudo, seja fazendo bicos como médium ou com a pirataria de produtos, para deixar uma garantia póstuma aos seus filhos. Sempre tenso e triste, é complicado achar beleza em Biutiful. Mas há. Nas cenas à mesa, por exemplo, Uxbal consegue em meio à escassez de tranquilidade e variedade de alimentos, oferecer um banquete de fantasia aos filhos e arrancar deles sorrisos satisfeitos. Nessa hora, pude sentir uma leve analogia, obviamente não intencional, com o mundo fantástico construído por Roberto Benigni em A vida é bela.
O drama é mesmo muito complexo e dinâmico – Iñarritu abusou do cubismo cinematográfico. Cada personagem ali representado, embora o foco do filme tenha sido quase todo sobre o personagem de Bardem (e ele consegue carregar esse fardo muito bem), tem sua esfericidade. O misticismo cuidadosamente abordado no filme também comprova tal complexidade e, neste aspecto, o longa traz até mesmo um pouco de terror surpreendente.
Biutiful foi indicado ao Oscar na categoria prêmio de consolação aos filmes bárbaros, ou seja, melhor filme de língua estrangeira. Apesar do pseudo-favoritismo, quem levou o prêmio, sem surpresas, foi o longa dinamarquês Em um mundo melhor. Javier Bardem mais uma vez não ficou de fora da premiação e foi indicado na categoria de melhor ator. Mas dessa vez ele não levou… mas leva consigo Cannes, Goya e Penélope Cruz, quer melhor? Eu prefiro!
Então, vale à pena assistir? Com certeza. Principalmente pelo fato de estarmos acostumados e acomodados com o cinema que nos mostra somente a “realidade” que queremos ver. O filme faz mesmo jus ao seu nome. Não só por defender que o belo escrito de maneira errada necessariamente torna-se feio. Mas por nos mostrar que a vida não é fácil e nem sempre bela, mas depende de nós torná-la “biutiful”.
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