É inevitável que todos nós tenhamos algum tipo de expectativa para cada filme que iremos assistir. Entretanto, há uma espera comum a todos desde o momento do play: a expectativa de que algo menos ordinário aconteça no decorrer da trama. Alice nas cidades é diferente. A proposta desse longa e, claro, do diretor alemão Win Wenders é simplesmente essa gratuidade dos acontecimentos. O filme inteiro é uma quebra de expectativa quanto ao extraordinário; eficiente, porém. Esse longa é o primeiro da trilogia de Road movies do diretor, ou seja, filmes passados em viagens, sempre repleto de imagens contínuas; seguido por Movimento Falso (1975) e Reis da Estrada (1976), todos contando com o mesmo ator principal.
Baseado nas primeiras viagens de Wenders às Américas e influenciado pela sua obsessão pela cultura americana, o diretor criou um personagem que possuísse certa verossimilhança com ele mesmo para retratar seu impressionismo sobre a vida e das paisagens. Philip Winter (Rüdiger Vogler) é um repórter alemão encarregado de contar as histórias e impressões vivenciadas em sua viagem aos Estados Unidos. Se vendo perpassado por um bloqueio que todo jornalista já sofreu, Philip não consegue escrever praticamente nada. Porém, o personagem traz consigo uma polaróide a qual usa para retratar os lugares por onde passa.
Quando Philip leva seu material à correspondência de seu jornal em New York, eles nada se interessam pelos seus retratos e muito menos por suas poucas anotações. O personagem então se vê obrigado a voltar para Munique, mas é barrado por uma greve dos controladores de vôo e só teve a alternativa de voar no dia seguinte até Amsterdã. No aeroporto ele encontra uma alemã e sua filha Alice na mesma situação dele. Não sabendo falar muito bem o inglês, essa mulher recebe a ajuda de Philip. Então vão para o mesmo hotel e combinam de pegar o vôo juntos no dia seguinte. Amanhecendo, a mãe abandona a filha nas mãos do até então estranho e vai atrás de amores não resolvidos. Deixa um bilhete para Philip dizendo que os encontrará no dia seguinte no aeroporto de Amsterdã.
Não podendo esquecer a simplória analogia que o diretor faz a obra de Lewis Carroll, Alice e o “chapeleiro maluco” começarão a viajar pelas cidades da Europa já que a mãe da menina não cumpriu o trato. Se propondo a achar a família da pequena, juntos viajam. O filme preto e branco e com imagem granulada reflete a solidão vivida por Philip. Não teria nexo algum se no meio do filme tudo ficasse colorido. Além de ficar feio, a explicação reside no fato de que, mesmo depois de encontrar Alice, o longa ainda quer mostrar a solidão; porém, desta vez, a dois.
A beleza da obra de Wenders está em seu significado. Encantado com poder do cinema de dá movimento às imagens, o diretor constrói esse belíssimo Road movie existencialista. Pois o personagem, antes de conhecer a pequena, vivia um drama interno em busca de sentido para viver. Eis a explicação para as fotos tiradas por ele – as imagens eram tidas como uma comprovação de que ele realmente tinha visto aquilo, que ele existia. Novamente, aqui aparece a verossimilhança do diretor em busca de imagens para seu filme metafórico e a magia que o cinema lhe proporcionara em poder registrá-las.
Em suma, Alice nas cidades faz valer o tempo gasto assistindo. Os diálogos que pode haver entre um homem e uma menina de 9 anos são impressionantes. É altamente agradável assistir a esse longa que mostra, simplesmente, uma sucessão de acontecimentos. A amizade que nasce entre os personagens – ele pela solidão e ela pela carência paternalista – é linda de se vê. Enfim, chega a ser engraçado como um filme de acontecimentos tão ordinários desperta em nós uma sensação extra.
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