Filmes proibidos pela censura costumam ser lembrados muito mais pela polêmica que causaram que por suas qualidades artísticas, vide a mais nova recente obra prima do amor "Azul é a Cor Mais Quente". Assim, para as novas gerações, é possível que "O último Tango em Paris" resuma-se à famosa 'cena da manteiga', mas o filme é muito mais que isso, ele nada mais é do que uma tentativa de falar abertamente sobre coisas que a sociedade prefere ver trancadas a sete chaves. Dois desconhecidos encontram-se num apartamento vazio e, sem dizerem os nomes, conversam, transam, brigam e procuram um sentido para suas vidas. ..
Ele (Marlon Brando, em atuação digna de 20 Oscar's) está em crise porque a mulher acaba de cometer suicídio, sem deixar qualquer explicação. Ela (Maria Schneider, limitada, mas convincente e gostosa até mandar parar) está em crise porque não sabe se o futuro que deseja para si é o casamento com um jovem cineasta. Para ele, o mundo acabou; para ela, está começando. Para ele, as coisas perderam o sentido; para ela, os sentidos ainda são muito complicados. Entre estes dois seres tão diferentes, há apenas uma ponte: o sexo...
O mais engraçado pelo que meus pais e pessoas que vivenciaram o lançamento do filme na época me contam é perceber como o “Último Tango em Paris” conseguiu se meter em tamanha confusão. Seus defensores, coitados, tinham que se esforçar para conseguir voz no meio de uma multidão tão louca que parecia saída da Idade Média. Esse foi um filme que fazia, conforme as pessoas me relataram, damas mais sensíveis saírem vomitando e chorando das salas de cinema. Várias tentativas de censura foram levantadas em todo lugar onde era exibido quando falhavam, multidões inteiras iam às portas das sessões em protesto e boicote. Os conservadores e religiosos o tinham como uma profanação sem limites. As feministas o consideravam uma peça ultrajante à imagem da mulher. Os críticos o atacavam como “pornografia disfarçada de arte”. Deve ter sido uma bagunça! Hehe...
Mas o tempo, o melhor justiceiro de todos, fez seu trabalho e as bilheterias também. A obra mais polêmica de Bernardo Bertolucci foi um sucesso, atraindo as mesmas multidões jovens que antes tiveram o gostinho da rebeldia em filmes como “Laranja Mecânica” por exemplo. Mas o filme não envelheceu tão bem quanto deveria, pelo menos em seu aspecto chocante, já que hoje em dia muita coisa está escrachada por aí...
Os diálogos são onde o roteiro atinge um ponto de Iluminação. Esses, sim, são capazes de chocar e de fazer rir, independente da época em que são assistidos. Os insultos que Paul dirige à sua companheira são divertidíssimos. Muito disso claro, se vale pelo monstro sagrado Marlon Brando, que muito se sabe improvisava demais suas falas em quase todas películas em que atuava. Coisa de gênio mesmo.
E falando em mestre e genialidade: Bertolucci existe para nos lembrar da diferença entre uma ótima direção e uma genial. Os melhores momentos do filme são quando a câmera do diretor passeia pelos cenários, construindo um espetáculo sempre imprevisível. Muitas são as horas de silêncio, puramente visuais, e o diretor as conduz com destreza hipnótica e foco violento: veja quando Paul se retira do quarto da mãe de sua ex-mulher após a violenta discussão. Segue-se um ritual de sombras sincronizado por um tenso abrir e fechar de portas. O melhor de Bertolucci é visto quando Paul e a dita mãe estão frente a frente, sérios e tensos. A câmera executa um zoom lento que ultrapassa os personagens e foca o espaço vazio entre eles. A discussão segue em off. Então, a mãe caminha para o centro da tela e apenas chora. O resto é silêncio. Essas coisas não são ensinadas em nenhuma escola de cinema...
Numa visão geral, o filme deixa certas coisas a desejar, possui suas falhas. As cenas de Jean-Pierre (Tom), mesmo com toda a intencionalidade, são por vezes difíceis de engolir, assim como muitas situações entre Paul e Jeanne (nem mesmo o magnetismo animal de Brando pode explicar o primeiro encontro entre ambos). As reflexões sobre o tempo e as relações sentimentais seriam mais bem aproveitadas se o roteiro não tropeçasse vez por outra na transição entre cenas (as de Paul-Tom e amor-sexo são, muitas vezes, choques que quebram a concentração). Não é uma obra que o irá arrebatar de primeira vez, mas que cresce com contínua reflexão. E você irá refletir sobre ela, esse é daqueles filmes que não saem da cabeça tão cedo.
Bertolucci afirma que a 'idéia' do filme surgiu depois de um sonho erótico que o mesmo teve onde se encontrava com uma bela mulher sem nome na rua e fazia sexo com ela, sem nunca saber quem realmente era aquela pessoa. Daí já da pra ver a perversão do camarada... Ou não né, vá saber...
Muito bem humorada e interessante sua crítica, legal!
Obrigado Alan!
Baita texto, Lucas. E é exatamente como você descreveu. Conheci este file como "o filme do Brando que tem sexo anal com manteiga". Dizer isso pra um garoto de 13 anos é sacanagem!!! Não encontrava esse filme em lugar nenhum!! Só vi uns cinco ou seis anos depois e aí pensei: "Era isso?? Qualquer comédia mostra muito mais!!". Compreendendo a diferença entre as gerações, assisti de novo e percebi a obra-prima que é essa fita de Bertolucci. Parabéns, meu caro!!
Caro Cristian infelizmente a sociedade contemporânea banaliza muito mais o sexo do que a violência por exemplo. O filme ficar resumindo a esse termo machista da "cena da manteiga" é muito esdruxulo... De qualquer forma obrigado pelo parabéns!