A simples idéia de poder assistir a uma paródia japonesa do melhor faroeste espaguete, recheada com cenas de ação exageradas e dirigida por um craque do cinema trash contemporâneo e obras orientais, é de dar água na boca de qualquer fã de Sergio Leone. Mas infelizmente nesse exemplar nem tudo são flores. Pense em um pastiche de faroeste interpretado por nipônicos com sotaque macarrônico e vestidos com roupas de bandas de metal farofa dos anos 1980. É mais ou menos por aí, mas um clímax fantástico no final quase salva tudo... Quase...
Toda a ambientação do filme é uma linda mistura do oeste estadunidense com o Japão feudal. Colts .45 se misturam a afiados katanas. As casas são mesclas de templos budistas e saloons. Também fruto da intersecção entre as culturas do oriente e ocidente, a trama é uma nova versão de 'Por um Punhado de Dólares' (1964). Um pistoleiro sem nome (Hideaki Ito) chega ao vilarejo de Yuda para encontrá-la dividida em duas partes: os vermelhos Heiki e os brancos Genji. Liderados respectivamente por Kiyomori (Koichi Sato) e Yoshitsune (Yusuke Iseya), os dois não estão ali apenas pela promessa de uma enorme quantidade de ouro. Eles representam uma disputa muito maior, a Guerra Heiji, que pôs fim a um longo período de paz conhecido como era Heian.
Em “Sukiyaki Western Django”, um espectador bem treinado é capaz de reconhecer que está diante de uma citação mesmo que não tenha assistido ao filme original. Um exemplo visível dessa dificuldade em integrar as citações à narrativa de forma orgânica está na seqüência em que uma carruagem cheia de lavradores é perseguida por um grupo de pistoleiros. A tal carruagem puxa um caixão de defuntos que arrasta na lama, e nenhum dos pistoleiros esboça a menor reação de surpresa à cena inusitada. O caixão, obviamente, é uma referência a “Django”, de Sergio Corbucci, de longe o faroeste espaguete mais citado (a música de encerramento, de Ennio Morricone, vem dele).
É o primeiro filme japonês totalmente falado em inglês. Os atores penaram, eles não foram escolhidos porque tinham proficiência na língua. Muitos deles tiveram que ralar e decorar. Takashi Miike queria mostrar ao Ocidente que é possível fazer um filme japonês totalmente falado em inglês. E a participação de Tarantino está hilária, tanto que quando ele da as caras logo no ínicio do filme é exibido ele preparando o tão famoso 'sukiyaki' prato oriental que ele ama. Takashi Miike até pensou em abrir uma rede de sukiyaki com Tarantino em Nova York...
O filme ainda trás muitas referências a guerras. Muitas guerras ao mesmo tempo. A Batalha de Guenpei, entre os clãs Taira e Minamoto, no final da Era Heian (1180 a 1185) no Japão, a Guerra das Rosas, entre as Casas de York e de Lancaster, pela disputa do trono da Inglaterra. Para ser didático, o clã Genji e o clã Taira se vestem, respectivamente, de branco e vermelho, como no Kohaku utagassen, a tradicional competição de cantores populares que encerra o ano no Japão. Sem medo de se repetir, Miike vai montando flashbacks e mostrando novamente cenas importantes à trama, subterfúgio para contar as histórias que levaram os personagens até aquele momento. Como é comum nos filmes do diretor, as mulheres se mostram muito mais do que aparentam ser, um elemento que marca sua rejeição à patriarcal sociedade japonesa.
Sob certo aspecto, a produção de Takashi Miike vai além de simplesmente xerocar as características básicas do bangue-bangue à italiana. Mescla-as com as elementos visuais que remetem às tradições milenares da cultura do Japão feudal, e processa esse coquetel inusitado em um visual fortemente estilizado. Já o roteiro deixa clara a sua origem, pois trata do surgimento de um misterioso pistoleiro sem nome numa aldeia que, apesar de localizada no Japão feudal, é habitada por caubóis de chapéu e cavalo, que carregam revólveres e sabres afiados, e moram entre salões e palácios de arquitetura samurai. Bizarro, especialmente quando se sabe que “Um Punhado de Dólares” (filme de Leone de onde veio o esqueleto narrativo) foi baseado num filme japonês de Akira Kurosawa, “Yojimbo”.
As cenas de ação estão entre os melhores momentos do longa, e incluem tiroteios repletos da violência gráfica típica de Miike, além de algumas tiradas de humor cínico capazes de agradar a quem não estiver muito satisfeito. O duelo final e o prólogo são sensacionais, mas é muito pouco para um filme de duas horas completas. No máximo, dá para o gasto até você pegar para rever os verdadeiros clássico a italiana...
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