Ah meio acadêmico! Ainda hoje, lembro da minha professora de português do ensino médio, senhorita Miriam Fátima Figueiredo Silva! Insistia, brigava com seus alunos para que eles tivessem ao mínimo um pouco de decência em suas vidas inexpressivas. Nos passava livros de Guimarães Rosa e Machado de Assis para não sermos seres tão ordinários assim. Parte de minha personalidade hoje devo a essa mulher que tanto me mostrou valores de bem. Infelizmente nesse grande país em que vivemos, possuímos um sistema de educação fracassado e corrompido por nossos líderes democráticos. E o respeito pelos educadores? O respeito já não existe mais a um bom tempo, com crianças e adolescentes cada vez mais miseráveis e desprezíveis. Pais não lhes dão mais correções pertinentes e a tendencia é só piorar não é mesmo? Pois é bem mais interessante que os candidatos a cargos políticos no Brasil tenham eleitores cada vez mais imbecis e ignorantes para que suas falcatruas e roubalheiras passem cada vez mais impunes e imperceptíveis. "Detachment" mostra também o angustioso sistema de ensino nas periferias dos EUA, mas o filme é muito mais do que isso...
Henry Barthes acaba de começar sua estadia como professor substituto em uma escola nos subúrbios. Logo de cara, percebemos que onde deveria ser um lugar de iluminação acadêmica é, na verdade, um lugar de caos. Adolescentes sem limites e propósitos impõem vontades aos professores que desistiram de ensinar há muito tempo. Em sua primeira aula, Barthes já mostra porque é ‘o melhor substituto da lista’: os alunos, ainda que não espontaneamente, passam a respeitá-lo, o que se mostrou impossível para muitos dos professores permanentes. Atormentado por demônios do passado e com um avô em um hospital tipo que um asilo, a vida do professor sofre uma reviravolta a partir do momento que Erica, uma prostituta adolescente, começa a fazer parte dela...
Muitos dizem que essa é a melhor atuação de Brody depois de ter vencido o Oscar na categoria de Melhor Ator em 2002 por "O Pianista". Nunca entendi essa cisma de más atuações e más escolhas atribuídas ao ator. Trabalhando ao longo dessa década com grandes nomes esteve envolvido em projetos do calibre de "A Vila", "King Kong", "Camisa de Força", "Viajem a Darjeeling", "Predadores" e "Meia-Noite em Paris". Um escorregão aqui e ali, mas se não são todos projetos excelentes ao mínimo se mostraram razoáveis e bons. E falando sobre a excelência do projeto, Brody não só interpreta Barthes como produz o longa o que demonstra um carinho tanto quanto especial dele pele longa. E falando sobre apreço vemos Tony Kaye entregando um direção segura e precisa. Sobre Kaye, nunca entendi muito bem o chá de sumiço que o cara tomou depois de "A Outra História Americana" que é um outra ótima película. Fechando essa trinca, temos Carl Lund escrevendo o admirável roteiro e co-produzindo o longa ao lado de Brody.
Ainda falando da parte técnica do filme temos a trilha sonora excepcionalmente depressiva composta pelos irmãos Newton aprofundando ainda mais o telespectador naquela estrutura triste e angustiante, uma fotografia mais fria que a geladeira aqui de casa, assinada também por tio Kaye e uma edição ágil, eficiente e milimétrica de Barry Alexander Brown e Geoffrey Richman. Kaye intercala momentos dramáticos com tons documentais trazendo complexibilidade e sutileza a trama, mas que não compromete o resultado final, pelo contrário nos passa ainda mais a sensação de realidade e crueza que é o ambiente hostil das escolas, uma espécie de selva mesmo. É preciso preparo pra assistir o filme, não chame nem a galera e nem a pipoca e o refri porque as reflexões e questionamentos após os créditos finais serão imensos. O tom poético e a espécie de "entrevista" feita com Henry são fantásticas, havendo beleza em cada cena, em cada diálogo.
Kaye foi pica das galáxias também em acertar ao extremo a montagem do elenco, todos estão não menos do que primorosos. Surpresa pra mim, Lucy Liu demonstra faro pro negócio, apesar de ter tido quase sempre em sua carreira personagens que não exigissem dela e uma cena em especial quando convoca uma aluna em sua sala é de tirar o chapéu. A delícia ruiva de nome Christina Hendricks da sublime série 'Mad Men' aqui surge meio como um tipo de interesse amoroso de Henry e não empresta só beleza a história e sim sua real competência. Surpresa também ver o eterno Sonny Corleone, James Caan em ótima forma. Seu professor Charles Seaboldt surge como afetuoso e compenetrado com toques paternais principalmente para com a personagem de Liu, Dra. Doris Parker. O 'bad-ass' Walter White, Bryan Cranston de "Breaking Bad" aqui só aparece para dar o ar da graça como o marido da sempre subestimada Marcia Gay Harden que aqui interpreta a estressada (com motivos) diretora Carol Dearden. E fechando o time temos o impotente Sr. Wiatt vivido por Tim Blake Nelson e a sempre elegante Blythe Danner dando pele a descontraída professora Sra. Perkins. Entretanto, a minha maior admiração seja que Sami Gayle permanece um tanto quanto no anonimato ainda. A atriz que faz Erica ao lado de Brody é quem se destaca no filme sua atuação e nada menos do que magistral...
Um filme que alia de forma quase perfeita a narração e a imagem, numa viagem que nos faz ponderar o poder do desespero e a força de acreditar e pensar quanto daquela mensagem se aplica a nós próprios. Se você vê com desdem as greves e manifestações que professores realizam nos quatro cantos do Brasil, assista "O Substituto", tenho certeza que você se arrependerá e apoiara a causa desses formadores de médicos, engenheiros e todo tipo de profissionais que existem por aí. Sem as glorias pretendidas, "Detachment" é um filme que pode não fazer lágrimas caírem sem parar, mas tem a força suficiente para reproduzir os mais variados tipos de reflexões para sua cachola. Repleto de palavras e imagens escolhidas para nos chocarem, para nos entristecerem, para nos sentirmos como ele se sente, nos imergir nos dramas e dilemas do protagonista. É uma crítica brutal à sociedade atual e à proliferação, exatamente, de mentes, não perigosas, mas estúpidas. Mentes que absorvem sem filtrar... Esses dias vi Dona Miriam caminhando pela rua novamente. Ela tinha livros de português debaixo do braço. Certas coisas não saem da nossa memória...
O Nilmar, fico feliz que gostou do texto cara, muito obrigado ele mexeu d+ comigo e fiz questão de expor esses fatos da minha vida por esse fato de ter me despertado várias emoções. "A Separação" também é fantástico.
O filme é sensacional, daqueles que te destrói e obriga a pensar em muita coisa.
O texto ficou foda demais, Lucas, a relação que você fez com sua antiga professora ficou emocionante.
O texto é muito bom. Brody é muito bom e o filme é espetacular.
Muito obrigado gente, o filme realmente é uma bomba relógio...