Vários diretores são 'lançados' ao mundo através dos tais filmes independentes. Tarantino foi um deles e a Weinstein Company também contribuiu bastante para esse tipo de mercado. Para quem não sabe, filmes independentes são aqueles considerados de baixo orçamento para os padrões de Hollywood. É o tipo de filme que, às vezes, os atores são amigos ou até mesmo a família do diretor. São filmes marcados por escassos efeitos especiais ou truques de câmera, sem muita firula ou pirotecnia. Geralmente, possuem uma linguagem experimental e diretores semidesconhecidos. Quando um filme independente acaba caindo nas graças do público e da crítica, tende a ser considerado “cult”. Hoje em dia, grandes estúdios possuem divisões para ajudar na produção de alguns longas, mas o gênero ainda divide opiniões do grande público, afinal, os temas tratados nem sempre são convencionais.
Mesmo assim, grandes histórias são contadas através do afinco na atuação e roteiros elaborado. Essa questão do roteiro, reflete no escrito para "Sexo, Mentiras e Videotape" que se encaixa veemente nesse quesito, pois apresenta um texto muito bem escrito pelo até então desconhecido do grande público, Steven Soderbergh. Considerado um marco para o cinema independente americano e marcando também um grande período de transição para o gênero na terra do tio Sam, Soderbergh, que vários anos depois viria a ficar milionário e conhecido pelo grande público pela franquia dos tantos homens e tantos segredos e também por ser o responsável a dar um Oscar bem duvidoso para a queridinha da américa, Julia Roberts, em "Erin Brockovich" ele também levou seu Oscar de Melhor Diretor pra casa, inclusive no mesmo ano, por "Traffic". Dentre tantos outros feitos, o diretor também levou a consagrada e bastante versátil atriz pornô Sasha Grey(deliciosa) a interpretar, Soderbergh possui uma carreira bastante peculiar e irregular, mas seu primeiro longa permanece como o mais original.
Na trama, conhecemos John Mullany e Ann Bishop Mullany um casal que está à beira do caos, muito por conta da vida sexual inexistente. John é um advogado, com um ‘ar poderoso’ que trai a mulher com a própria cunhada, Cynthia. Essa última, vive suas excentricidades onde sempre fica claro a necessidade de ser melhor que a irmã. Para o triângulo virar um quadrado, faltava um elemento. A chegada de um antigo amigo de John abala as estruturas do que sobrara desses relacionamentos, uma atração excitante e estimulante vai tomando conta do ambiente, deixando Ann completamente envolvida com esse misterioso homem. O filme se destaca também por quebrar o paradigma da magia que o cinema norte-americano se encontrava na década de 80, mas aqui. nada se resolve de forma simples, Soderbergh apresenta que o ideal americano não é tão limpo e bonito assim como todos acham.
O filme possui praticamente apenas cinco locações, apenas cinco ambientes onde a trama se passa; o escritório de Mullany, a casa do casal, a residência de Cynthia, o bar de Cinthya e a casa que Graham aluga. Graham ficou nove anos fora, tentando compreender seus problemas e reestruturar sua vida. Ao ser convidado pelo seu antigo amigo de estudos a se hospedar em casa, os dois homens percebem de imediato que já não são mais amigos, que seus ideais e caminhos já são outros. Mullany é um advogado inescrupuloso que não liga a mínima pra ninguém, somente para ele mesmo e para seu pau. Ann coitada é uma doce e adorável dona de casa, ingênua e submissa, conservadora ao extremo, Ann começa a duvidar que sua vida seja o que ela realmente sonhava. Já Cynthia, é a 'extrovertida', mulher que provavelmente na adolescência viveu a sombra de Ann. Cynthia é independente, possui seu próprio negócio e o que é um problema para irmã, para ela é uma coisa natural e uma reposta o tal do sexo.
Sempre é difícil falar de sexo no cinema, pois o falso puritanismo ainda beira fervorosamente nossa sociedade. Soderbergh da um tapa na cara na cultural atual americana, coisa que foi feita uma década depois por Sam Mendes em "Beleza Americana". Aqui, Soderbergh crítica o comportamento escondido principalmente da classe média, onde as mentiras acobertam os comportamentos devassos e imorais do cidadão. A aparente felicidade não existe e o fingimento toma conta de todos sem escrúpulos. Porém, o texto do diretor é tão rico que ele não faz julgamentos e não condena nenhum dos lados, apenas expõem as características de cada um e o maior requinte de Soderbergh é ter escrito o script em apenas duas semanas. O casamento de Mullany e Ann já não anda bem faz tempo e parece que Ann não quer enxergar isso, quer continuar mantendo as aparências, como que se os vizinhos descobrissem sua ruina, seria o fim do glamour de sua vida.
Para contar essas história, Soderbergh contou com rostos jovens e relativamente desconhecidos até então, mas felizmente todos estão bem a vontade em seus respectivos papéis. Infelizmente, não consigo desassociar Peter Gallagher do seu personagem Sandy Cohen no seriado The O.C., aqui a melhor cena do ator é seu olhar desiludido após assistir a gravação feita de sua esposa para Graham. Andie MacDoweel está adorável como a esposa perfeita, mas que possui grande dificuldade ao expor seus sentimentos, principalmente quando o assunto é sexo. James Spader na pele do misterioso e sedutor Graham é o responsável por evidenciar os problemas de todos naquele circulo. O papel ao meu ver o mais interessante fica a cargo de Cynthia, interpretada muitíssimo bem pela tesuda Laura San Giacomo, que infelizmente do quarteto principal é a que menos ganhou notoriedade ao longo da carreira. O depoimento de Cynthia para Graham é singelo e tocante. A exceção de Gallagher, os outros atores receberam premiações e foram indicados para o Independent Spirit, Gonden Globe, Cannes, BAFTA e Soderbergh foi ainda indicado ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original.
As gravações de Graham funcionam como uma válvula de escape, um fetiche que o jovem tem, afinal, quando o assunto é sexo não existe limites de prazer para a mente humana. O filme falha mesmo na condução do diretor, talvez pela inexperiência para com esse seu primeiro trabalho, e o desfecho da trama soa um pouco preguiçosa, mas de toda forma, seu roteiro é acima de tudo, inteligente, atemporal, há muito mais nas entrelinhas das situações e diálogos, coisas e fatos que precisam mais do que uma conferida para total absorção de toda a mensagem que o diretor quer realmente passar para o espectador. Duas cenas envolvendo um bêbado no bar de Cynthia são os dois únicos momentos cômicos, que quebram um pouco a dramaticidade da narrativa e que não soam forçadas. Pode parecer extremamente datado para a geração atual, que já nasce com a internet grudada na barriga, mas merece ser revisto de tempos em tempos, não só como aprendizado, mas também como um exercício de voyeurismo cinéfilo...
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário