O brasileiro gosta de acompanhar a premiação do Oscar, não tem jeito. Por mais que a premiação não vá agregar nada a qualidade dos filmes e a importância que cada um apresente para nossas vidas e para a história do cinema, precisamos de alguma competição, de acompanhar algo, de torcer pelos nossos profissionais preferidos mesmo que no final saibamos que a cerimonia não passe de politica. Nos últimos, sei lá, acho que 30 anos talvez nenhum outro filme, pelo menos que eu lembre tenha sido tão desdenhado e menosprezado quanto "O Paciente Inglês". O filme dirigido pelo britânico Anthony Minghella dividiu opiniões e é daqueles casos sem meio termo, ame-o ou odeie-o. Interessante, como pré-julgamentos afetam decisões e escolhas relacionadas a filmes. Em 1996 eu, um reles moleque capixaba, fui totalmente influenciado por vereditos e conselhos de donos de locadoras sem nenhum entendimento no assunto e olha que a fita era locada fervorosamente nos fins de semana. Triste ilusão...
A história se passa em dois tempos: o 'atual' no caso, o fim da Segunda Guerra Mundial, no qual o conde Laszlo está irreconhecível, vítima de graves queimaduras em decorrência de um acidente de avião, e sem memória; e o 'passado', no qual conhece Katharine e as bases da história são estabelecidas. Os flashbacks ocorrem sempre que algum personagem do tempo 'presente' diz ou faz algo que leva o conde a se lembrar de seu passado. Um destes personagens é a enfermeira Hana, que toma conta do desfigurado conde. É uma mulher marcada pela guerra que está acontecendo, na qual seu namorado e a melhor amiga já morreram. Outra figura marcante é o ex-ladrão Caravaggio, que acusa o conde de ser o responsável pelo decepamento de seus dois polegares. Há, ainda, o Sikh Kip, que se envolve com a enfermeira e é o protagonista de uma das cenas mais tensas do filme, aliás a única.
O fato é que Minguella, conceituado e respeitadíssimo diretor de teatro britânico, leva toda sua bagagem e experiência para a direção de uma película. Ou melhor, Minguella já havia dirigido dois filmes antes desse, um feito direto para a TV da Inglaterra e hoje é considerado uma espécie de "versão britânica de Ghost" mas sem os toques sombrios, com uma vertente mais adocicada. Três anos depois, curioso que os seis filmes do diretor possuem um intervalo de três anos cada um entre si, dirige outra bomba ambulante "Um Amor de Verdade". Talvez o problema maior do cineasta seja o excesso de melodrama, de água com açúcar excessivo e bonitinho. E outra, Minghella pensa que o cinema é um teatro ambulante, que leva e volta a qualquer momento e suas tramas vão se tornando xaroposas demais. O filme é baseado em um livro do canadense Michael Ondaatje, inclusive vencedor do Pullitzer o que já é uma leitura de fácil absorção. Outra falha do diretor é a difícil transposição da história para as telas, já que o enredo não segue ordem cronológica alguma.
Minghella conta com um elenco pomposo para contar sua dramática história. William Dafoe empresta seu ar sempre ameaçador a David Caravaggio, mas escapa do maniqueísmo em momentos singelos, como quando demonstra preocupação com o choro de Hana ou quando se compadece ao descobrir as razões da traição de Almàsy. No outro vértice do triangulo amoroso temos Geoffrey, um homem aparentemente despreocupado mesmo sendo o único que viaja acompanhado no grupo, mas que demonstra sutilmente o incômodo diante da troca de olhares entre Katharine e Almàsy, nesta ambiguidade que reside à força da atuação de Colin Firth, que raramente permite ao espectador perceber o que ele de fato está pensando. Conferindo com precisão uma personalidade forte a Katharine Clifton , a ótima Kristin Scott Thomas entrega uma performance elogiável, acertando no tom e oscilando com destreza entre os momentos em que precisa agir com sobriedade.
Virei fã de Fiennes após sua excelente atuação na pele do psicopata sanguinário Amon Goeth em "A Lista de Schindler" e aqui o ator repete um exímio trabalho na pele do complexo conde Laszlo de Almàsy. Todo o trio principal foi indicado ao Oscar Fieenes para Melhor Ator, Scott Thomas para Melhor Atriz e Binoche para Melhor Atriz Coadjuvante. Visualmente o filme é deslumbrante, aí sim fazendo jus a todas as premiações que recebeu. A exemplar fotografia de John Seale, que faz com que o deserto concretize papel importante na narrativa, oscilando entre momentos de beleza estonteante e outros onde surge ameaçador, como numa tempestade de areia que soterra um carro da expedição. O figurino de Ann Roth também desempenha papel importantíssimo ao longa, oscilando entre os sujos e realistas uniformes dos soldados com os elegantes ternos e roupas de gala. O som do filme também é magistral captando com precisão as hélices dos aviões, bombas explodindo até sons mais sutis como a respiração de Almasy.
Com um total de 12 indicações ao Oscar, venceu nas categorias de Melhor Trilha Sonora, Melhor Direção de Arte, Melhor Som, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Figurino, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Diretor e Melhor Filme e acabou perdendo nas categorias de Melhor Ator, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Adaptado, o filme ontem e hoje se torna uma tarefa de difícil absorção e quando assistimos um filme e de dez em dez minutos olhamos para o relógio não é uma coisa boa. A estupenda parte técnica não compensa o confuso desenrolar da trama, mesmo que ela seja um romance básico das histórias do cinema, com um amor impossível. Pelo fato de ser um filme com desenvolvimento durante uma guerra mundial é lento e moroso demais. Pode ser que com uma outra revisão a nota suba, mas o fato é que a preguiça e o tédio permeiam a todo instante. Nunca concordei tanto com a opinião do Demétrius; paciente mesmo é o espectador quando consegue chegar ao final do filme...
Deveria ter sido recomendado...