Eu particularmente não gosto de filmes de ação. Pancadaria desenfreada não é comigo. Quando eu era moleque, é claro, a história era outra. Schwarzenegger, Jackie Chan, Steven Seagal, Bruce Lee e Chuck Norris eram meus ídolos, mas hoje já não fazem minha cabeça mais. Mas, sempre gosto de dar uma conferida em filmes do gênero, ainda mais quando algum amigo me indica certo exemplar. Dos novos candidatos a posto de brutucu, acredito que o mais chegou perto disso foi Jason Statham, mesmo não tendo o carisma de um Stallone da vida, ao menos Statham é esforçado. No inicio dos anos 2000, o tailandês mestre em Muay Thay, Tony Jaa, até tentou fazer parte do alto escalão dos novos quebra-tudo, mas sua falta de domínio com a língua inglesa, o relegou ao esquecimento e hoje "Ong Bak" e "O Protetor" ficaram um tanto quanto repelidos pela geração atual. Não sei bem o que irá acontecer ou até que ponto irá chegar a carreira do indonésio Iko Uwais, mas que o ator/lutador mostra disposição para beliscar um lugar ao sol isso ele faz. Ao menos com a série "The Raid/Operação Invasão" seu cartão de visita já está entregue...
O primeiro filme tinha um roteiro bem simples; o sargento Jaka acompanhado do Tenente Wahyu e o recruta Rama com um esquadrão de mais ou menos 20 policiais vão a um bloco de apartamentos situado nas favelas de Jacarta para deter o lorde do crime Tama Riyadi, mas o que eles não sabem é que Tama comanda todo o complexo em que o esquadrão está e manda os vizinhos, em sua grande maioria traficantes ou usuários de drogas, atacarem a todos. Com metade dos policias mortos pelos constantes ataques dos vizinhos cabe a Rama e os poucos sobreviventes a atacarem com o que mais sabem fazer, ou seja, partindo para a pancadaria total. E é isso, uma tensão gigantesca é criada, mas basicamente o que se vê na tela são os poucos policias sobreviventes querendo sair com vida do prédio, tudo isso recheado com a as mais belas e criativas cenas de ação de sei lá, dos últimos vinte anos. A realidade das cenas era tanta, que nos set's de filmagem era constante a presença de médicos, paramédicos e até massagistas para ajudar os atores a se recomporem.
Muitos reclamaram do roteiro, mas ora, não podemos questionar a qualidade do texto, pois o próprio diretor deixa bem claro que a premissa seria essa, PORRADA e pronto, não vá esperando um script minucioso como o de "O Profissional" ou "Duro de Matar", se você fizer isso, irá se arrepender amargamente. Mas, bem vamos então a "Operação Invasão 2", que a principio eu pensava ser apenas uma repetição do primeiro filme, mas para a surpresa geral dos fãs e espectadores, o diretor Gareth Evans expande infinitamente o universo da história e nos entrega um trabalho complexo e rico, tanto de ação quanto investigação e de enredo. Ele conseguiu alinhar as fantásticas cenas de luta do primeiro com um conto extremamente primoroso. O filme já começa com o mesmo ritmo frenético do original, vemos o calejado Rama sendo "convidado" por um chefe de um grupo especial da policia que investiga, prende e elimina agentes corruptos. Com um pouco de relutância, Rama acaba aceitando fazer parte do grupo e vai para prisão a fim de ganhar a confiança de Ryuichi, filho do grande chefe Bangun, mas o envolvimento de Rama acaba sendo muito maior e o temperamento de Ryuichi irá desencadear uma trágica guerra entre famílias de gangsteres...
Não consegui saber como cargas d'agua um jovem galês foi parar na Indonésia, mas o fato é que Gareth Evan é o cara. A principio vemos que o diretor utiliza de inúmeras referencias para a composição da estória. Já vimos diversas vezes a história de policial infiltrado e "Conflitos Internos" está aí para nos provar isso, mas não podemos aponta-la como clichê, já que sempre essa premissa irá ser abordada, a forma dela ser contada como argumento original é que a diferencia das outras produções. A começar logo pelo próprio Rama que é o típico policial incorruptível, possuinte de uma personalidade inabalável e ilibada. E é em virtude dessa personalidade e a cerca de seus atos, logo no inicio já podemos associa-lo com outros dois personagens, que exercem a função de um servidor público que não se intimida e segue os rígidos protocolos de parâmetros honestos, mesmo que as vezes utilizem de certa conduta não tão pacifica assim. A primeira associação nos remete a Frank Serpico do longa de 73, "Serpico", interpretado por Al Pacino, onde podemos acompanhar o oficial da policia de Nova York que ao não aceitar suborno e nem propina como seus colegas e acaba pagando caro por isso e também comparamos Rama ao Capitão Nascimento, que dispensa comentários.
As referencias não param por aí e Gareth Evans nos exibe agora uma analogia a "O Poderoso Chefão", onde Bangun seria uma espécie de Don Corleone e Ryuichi aparece como Sonny. Bangun construiu um império do crime com uma trajetória com o mínimo possível de derramamento de sangue e edificou alianças poderosas e que trouxesse-lhe uma certa calmaria, mas sem nunca perder o respeito e temor de seus adversários e companheiros. Tecendo uma teia de várias atividades ilícitas lucrativas, Bangun finaliza por dividir o poder com outras famílias e a trégua de nenhuma invadir ou atacar o território inimigo já dura dez anos. Toda 'tranquilidade' ocasionada em função da perspicácia e inteligência de Bangun para os negócios é quebrada pelo que pra mim é o melhor personagem da história, Ryiuchi. O filho do poderoso mafioso possui a essência de Santiano Corleone. O temperamento explosivo e a ganancia por poder são exibidos de cara, fazendo uma associação imediata. A sede de poder de Ryichi é tanta, que ele não medirá esforços nem mensurar seus atos para conquistar o comando do império asiático. E finalizando o quarteto principal, vemos Alex Abbad interpretando um mafioso referente a Virgil Sollozzo que oferece uma nova parceria nos negócios, mas abalando totalmente as estruturas da família principal.
Gareth Evans pode se considerar o novo mestre na direção de cenas de ação e pancadaria. Esqueça o ritmo de cortes rápidos e câmera tremida a lá Paul Greengrass, aqui tudo é exibido nitidamente e o diretor repete a maioria das cenas de luta em um espaço pequeno e claustrofóbico. É impossível tirar os olhos da tela e ao menos respirar. É sangue, golpe e tiro pra tudo quanto é lado e Evans não polpa o espectador em ver mortes de capangas e outros personagens pelas próprias mãos de seus adversários. São introduzidos dois novos personagens extremamente letais e sanguinários; a garota martelo e o garoto baseball que iram infernizar a vida de seus adversários. O galês ainda explora bastante excelentes tomadas com a câmera superior e a áreas fazendo que possamos acompanhar as lutas com uma visão por cima dos embates, genial. A montagem da fita também é extremamente eficiente, fazendo com que as longas duas horas e meia de duração passem em um piscar de olhos. O diretor utiliza uma fotografia acinzentada, traduzindo o ambiente e clima melancólico e frio da película. Evans, responsável pelo também fantástico "Merantau" demonstra-se ser preocupado não somente com o visual, mas história e conteúdo conjuntamente. O diretor tem tudo pra se tornar grande gradativamente em sua área.
Gareth Evans tem auxilio dos coreógrafos e lutadores profissionais; Yayan Ruhian e do protagonista da fita, Iko Uwais. Ruhian fez tanto sucesso no primeiro filme com seu Mad Dog que Evans forneceu-lhe o personagem de Prakoso na sequencia. O ator/ lutador é feio que dói, mas domina as artes marciais como ninguém. Pra se ter uma ideia, Ruhian já treinou o 'Pencat Silat", uma espécie de 'SWAT" da Indonésia durante dois anos, é molé?! Se Tony Jaa ao menos ainda não conseguiu seu lugar ao sol nas terras do Tio Sam, Iko Uwais demonstra ter um potencial gigantesco para ganhar as graças dos ocidentais, pois ao contrario do tailandês, Uwais ao menos tem carisma e demonstra certa intimidade com o drama, como pode ser evidenciado nas cenas das quais envolvem a família de Rama. O ator ainda conta com a sorte, pois, antes de ser ator, passou o período de três anos como vendedor de uma loja de celulares até estrelar "Merantau". Um filme cru, seco e direto ao ponto, com uma história convincente, magistrais cenas de luta e ação, elenco afiado e direção compacta e majestosa, "Operação Invasão 2" é uma das melhores fitas de ação dos últimos, sei lá, 20 anos. A ultima cena de Rama é dolorida, dramática e poética... Sua última frase é "Não... Pois estou cansado..." Mas eu não estou, Gareth Evans, mande logo o terceiro episódio!
Me deu vontade de ver, parece agradar com cenas eletrizantes, gosto de filmes neste estilo. Bom texto! 😁
Os textos do Lucas sempre me instigam a procurar filmes que normalmente eu não buscaria...
O primeiro é ótimo, um achado. Vejam sem medo os dois.
Gosto do Evans. Olho nele....