Engana-se quem acredita que o Rock N' Roll é apenas um estilo musical. O Rock é e sempre será simbolo de rebeldia, de oposição a uniformidade e estagnação das massas, da luta contra opressão política ou até mesmo de uma certa monotonia que aflige de inicio os adolescentes. Não só estilo musical, mas acima de tudo, estilo de vida. Uma camisa preta, se locomovendo por aí, sob uma carcaça maciça de um ser que para muitos se parece desajustado e distúrbio da sociedade, nada mais é do que um simbolo de força, descontentamento com a situação atual que o envolta e até mesmo desafio e deboche aos menos informados. Esqueça esse papo de demônios, de cultos em cemitérios, magias e tantos outros. Puro marketing das próprias bandas para venderem seu material e mídia negativa por parte de imprensa e líderes ignorantes. A primeira vez que rolou "The Number of The Beast" lá em casa, minha mãe quase teve um infarto e quebrou meu CD do Iron Maiden no ato. Coitada, comprei outro na semana seguinte. Mas bem, "Metalhead" não é um filme sobre Rock, Heavy Metal ou Black Metal. "Metalhead" fala do luto, da dificuldade de seguir adiante e de toda complexidade que envolve uma perda para qualquer pessoa por aí...
O Filme apresenta a história de Hera, uma garotinha que, após testemunhar a trágica morte do irmão mais velho num acidente repentino, cresce para assumir as roupas, a guitarra e o gosto musical do ente querido falecido. O principal eixo do filme trata de como Hera lida com o sentimento de perda, e quais são as consequências disso. Cara, acompanhe o raciocínio, escutar, ouvir, amar, idolatrar o Rock em vários cantos considerados liberais pelo mundo, como nos EUA por exemplo, já é difícil agora imagine fazer isso na Islândia velho! O fim do mundo gelado pra cacete que congela até seus ossos onde o divertimento dos cara e se aquecerem. Sim meu caro, Hera assume esse duro fardo e ficando fria tal qual a zona rural onde vive e isolando-se cada vez mais passa por enfrentar tudo e todos, desde seus pais, vizinhos até mesmo o novo Padre bonitão da cidade. É impressionante perceber o quanto Hera, mesmo sendo já adulta não enfrenta as responsabilidades de sua vida, mas se realiza na obscuridade das letras e sons do heavy metal, configurando uma realidade que só ela, através da sua dor, consegue compreender. Ou nem ela mesma consegue...
O diretor Ragnar Bragason conhecido na Islândia e desconhecido no restante do globo, bom pelo menos pra mim né, é um aclamado profissional que já realizou inúmeros trabalhos para a TV e videoclipes, aqui consegue agregar sua experiencia desses outros trabalhos e pincela suas influências para criar um roteiro capaz de abordar essa difícil situação de luto por um ente querido sem soar enfadonho ou maçante. E ele alia essa dura condição nesse cenário totalmente deslocado que é a zona rural da Islândia de forma totalmente eficaz e competente aliado a um excelente trabalho de fotografia que explora esse lado montanhosa e agrícola que acredito eu se o desenrolar da trama fosse conduzido em uma metrópole não traria tanta exoticidade e poder. A nevasca, gelo e o forte inverno vão de encontro em estouro com a personalidade também gélida de nossa anti-heroína.
Os atos de rebeldia de Hera vão escalando até o limite do inaceitável e desproporcional pela cidade. Seja o roubo de um trator, beber até cair, profanar o ritual da igreja local, colocar metal no auto-falante para todos os funcionários do açougue no qual trabalha ouvirem. As coisas só ficam piores, e não parece haver nada que a tire dessa espécie de transe em que ela se encontra, motivado pelo luto é claro. E quando não se pode pensar que o fundo do posso viria a tona (pense assim ou não, cabe várias interpretações), Hera acaba conhecendo o Black Metal, variante do gênero caracterizado por andamentos rápidos, vocais rasgados, guitarras altamente distorcidas e letras contendo temas como satanismo, anticristianismo e paganismo. Pronto! Não havia nada melhor para Hera. A cena do jantar onde aparece com o rosto maquiado é genial. Daí ela passa a gravar uma 'Demo' e a presença de uma banda da capital enfim afloram seus sentimentos. Os membros da banda apresentam alguns dos poucos momentos cômicos do longa e um concerto no fim é belo e agressivo ao mesmo tempo. Lindo.
Mas a força de todo o filme de toda história está presa em um nome. Um nome bem difícil pra ser sincero, Thorbjörg Helga Dýrfjörd. A bela atriz, mesmo contando com um excelente elenco de apoio, carrega a fita nas costas. Bragason se mostra aqui um excelente diretor de atores. Helga Dýrfjörd demostra em seu personagem todo tipo de excentricidade e oscilação em sua personalidade ambígua. A atriz demonstra bastante competência quando se exige explosão ou calmaria. A dificuldade de superar a morte do metaleiro Baldur mantém cada um preso no seu próprio isolamento, fato que alimenta meios de mascarar a amargura que se desenvolve em seus interiores. Explorando uma paixão totalmente proibida e se revoltando ainda mais com a negação, Hera se afunda em seu próprio mundo e sua vida só muda quando ela finalmente consegue que as pessoas a sua volta consigam enxergar o mundo da mesma forma que ela. Sem dúvidas, sem uma atuação fantástica por parte da protagonista escolhida a qualidade do filme ficaria bastante aquém do esperado.
Música, Rock N' Roll, Heavy Metal, Black Metal, problemas familiares, preconceito, superação de perdas, drama, comédia, tudo está presente na película, mesmo que possamos perceber que a obra se trate de uma produção bastante pessoal que me surpreendeu bastante e por me mostrar não ser somente um filme sobre os headbangers. É tudo muito mais complexo do que isso. Composto por uma trilha sonora que apresenta somente clássicos passando por Judas Priest, Savatage, o já citado Iron Maiden, Def Leppard, Slayer entre outros, o filme se encerra com um momento de paz que esperado por todos da família. Momento esse ironicamente conduzido por "Sympony of Destruction" do Megadeth... Genial!
Como um grande apreciador do gênero, digamos, me senti muito atraído pelo filme. Obrigado por fazer tal resenha - ótima, por sinal.
Obrigado caro Gustavo, resolvi escrever sobre o filme pelo fato dele ter me surpreendido bastante positivamente e também por ele não ser tão conhecido assim e não ter nenhum comentário dele por aqui 😁
Filme muito bom e, como roqueiro e cinéfilo, atesto que foi um prazer assistí-lo e ler este texto, meu amigo. Obrigado....
Claro que tem vários filmes sobre o rock, mas esse eu achei um dos mais dramáticos, o filme realmente é muito bom...