De tempos pra cá, Hollywood anda nos assustando com sua falta de criatividade nos mais variados gêneros e infelizmente isso já não é novidade. O que mais impressiona é o lançamento de enlatados ano após ano, mês após mês sem dó nem piedade, filmes que ofendem em muito a inteligência do espectador. São obras sem o menor conteúdo, sem a intenção de criar uma tensão, de trabalhar o temor no espectador, são apenas sangue e vísceras lançados na tela incessantemente, como que se isso fosse assustar alguém, sendo que isso não apavora mais nem uma criança de 10 anos de idade. Visto esses fatores, os fãs do gênero ao comprovarem essa imensa falta de criatividade e de produções cada vez mais repetitivas e broxantes o público optou por desbravar território em outros países e acabou conhecendo e tendo acesso a trabalhos que conseguiram comprovar sendo maravilhosos, principalmente Europa e Ásia. Da Espanha veio "[REC]", Noruega apresentou "Presos no Gelo", os asiáticos mostraram para o mundo "Shutter", "Janghwa, Hongryeon", "Rinne", "Ju-On" e "Ringu". E a França entregou "Alta Tensão", "Mártires", "Eles" e "A Invasora". "À L'intériur" talvez seja o maior expoente dessa leva do terror francês, um dos filmes mais tensos e violentos dos últimos tempos...
A relação do ser humano com o Terror no âmbito geral é um relacionamento de fascínio em que as pessoas possuem em gostar de sentir medo. E dentro de vários gêneros da 7ª arte, vai se criando o tal do subgênero. No 'Terror' existe vários, como o 'Terrir' por exemplo, que enquadra um filme nessa modalidade propositalmente ou não, como "Náusea Total" que é apontado por muito como clássico absoluto do 'Trash' ou podemos apontar um filme que se encaixa na outra circunstancia que seria "Plano 9 do Espaço Sideral" do Ed Wood pela tosquice extrema, mas que fica evidente a vontade de Wood em querer fazer um legitimo clássico para o Horror. O 'Torture Porn' já aposta em filmes com tortura explicita, acentuando mulheres em situações sexuais masoquistas e enxergamos "O Albergue" a representar essa faceta. Chegamos então ao 'Splatter' ou 'Gore', termo criado com o filme "O Despertar dos Mortos" de George A. Romero de 1978, onde fica definido um abuso de estética sangrenta e violência gráfica, podendo ser explorado em conjunto as torturas e até mesmo sequencias envolvendo adjetivos sexuais humilhantes.
"A Invasora" é um 'Splatter' de alma e coração. Desde sua concepção, execução e finalização do longa. Dentre os vários acertos da fita, o primeiro deles é o fantástico script escrito por Alexandre Bustillo, que trás na bagagem simbologias tremendas e faz alusão primeiramente a um dos maiores acontecimentos, talvez o maior para uma mulher, a gestação. Só que esse momento divino que acabaria sendo um período de descobertas, alto aceitação e sendo maravilhoso, até mesmo pelo fato da mulher estar gerando um ser humano para o mundo, passa a se tornar um verdadeiro pesadelo no caso de Sarah. A jovem fotografa vê sua vida aparentemente confortável financeira e espiritualmente mudar de cabeça pra baixo ao sofrer um acidente automobilístico e seu marido não sobreviver. A partir daí o universo masculino não terá nenhum grande valor para o ritual de Sarah. Os homens estarão apenas para nos salientar a incapacidade presente dentro da racionalidade de se entender o universo feminino. Dinâmica claramente apontada durante o exame, quatro meses após o acidente, realizado por um médico que não consegue com palavras conquistar uma manifestação amigável de Sarah. Ele não fala a “língua” dela. Sarah já está presa em outro mundo.
"Aproveite a sua última noite de paz e tranquilidade". Quando o obstetra diz essa frase a ela, Bustillo quer deixar bem claro o que estará por vir durante a madrugada. Perdendo a figura masculina de seu companheiro, nossa protagonista é liberta de um mundo apático e casual. Ela passa ser agora uma coletora e transposta para a relação de simbiose com sua cria ainda respira somente para passar adiante seus genes para uma nova geração. Querer fazer crescer seu filho com saúde e ao mesmo tempo ele irá trazer lembranças constantes de seu amado esposo e isso pode angariar ao menos um pouco de conforto para Sarah. Pelo fato dela estar deprimida e desolada, nada nem ninguém terá o poder de trazer cores novamente para seu mundo e ela então prefere passar o natal sozinha. Nem seu pai ou amigos serão bem vindos, a solidão será sua única companheira. E então, quando "A Mulher" adentrar nesse mundo sem cerimonias e sem ser convidada, o paralelo entre as duas será realizado, mesmo que Sarah não queira. É necessário a figura da Mulher em seu espaço para que o Ritual seja realizado, fato que aparentemente ela entende, já nos minutos finais da película.
Os diretores novamente comprovam a desnecessidade dos homens nesse processo e que além deles não terem espaço no ritual exibido, serão expulsos a todo custo. Todos seres masculinos que adentram a residência de Sarah são sugados de forma brusca e passam a não poder enxergarem o que está culminando. Todos esses homens que tentam interromper o ritual, acabam por ficarem cegos, tendo seus olhos perfurados, arrancados a tiros ou simplesmente silenciados. E a cada sacrifício realizado no interior da casa em prol da grande deusa, as duas mulheres acabam por ficarem mais fortes. Sobra tempo ainda para outra simbologia e analogia, a de que o bebe surge como um messias ou apaziguador de toda a sanidade executada. Podemos aponta-lo sim como um Jesus Cristo, salvador e mensageiro de uma esperança de que a paz reinara naquele ambiente hostil e perverso. Pra fecharmos esse trecho, os três policiais podem ser apontados como os três reis magos e tentam trazer 'presentes' para o bebe. Encerrando esse cilco, temos um fato mais do que curioso, ao menos pra mim é também o mais lindo, o número da casa de Sarah, 666.
A parte técnica de Maury e Bustillo também são excelentes. Conservando a tradição europeia de apego a planos longos, os diretores optam por utilizar longas sequencias estáticas e o menor numero de cortes possíveis. A incrível montagem é outro alicerce para um ótimo desenvolvimento de narrativa. De inicio, quem não conhecer a proposta ou o gênero da fita, pode até mesmo pensar se tratar de um filme dramático, porem, com 15 minutos de projeção o filme se fecha na claustrofobia da casa de Sarah. Mas não tem jeito, o maior acerto da fita é a condução que os cineastas realizam para conta a história da gestante. Relembrando os grandes clássicos de Terror, como "O Exorcista" e "A Profecia", a tensão é trabalhada pouco a pouco e o clima de medo é ofertado sem dó nem piedade. A iluminação é outro atrativo, temos a impressão que as lâmpadas vão fraquejar a qualquer momento, aguardamos um impacto que não chega e os vultos negros adentram nosso temor em cheio. A virtuosa criatividade de Alexandre Bustillo pode ser comprovada nos também excelentes "Livide" e "Entre os Vivos".
Custando apenas U$S 3 milhões de Dólares, "A Invasora" é uma excelente surpresa para um gênero fílmico tão desgastado e judiado ao longo das duas últimas décadas, pois não conseguimos apontar um clássico máximo atual e devido as produções duvidosas e de baixíssima qualidade que tem sido brindadas aos fãs e espectadores do gênero. Maury e Bustillo dominam o espaço de cena, entendem do que é feita uma atmosfera de sadismo e têm timing ideal para criá-la. Em pouco mais de uma hora e vinte de duração, sobra espaço ainda para reflexões, simbologia, "gore" e muito sangue. Pode incomodar gestantes e pessoas de pulso mais fraco, mas não chega a causar a repulsa que uma "Centopeia Humana" ou "Um Filme Sérvio" consegue execrar para o espectador. Que venha mais desse, por favor...
Único filme bom desse diretor. O resto só decepciona.