Acompanhando o dia do camaleônico Sr. Oscar (Lavant), "Holy Motors" inicialmente encontra o personagem enquanto este deixa uma mansão (aparantemente a sua) no início do dia e entra na limusine comandada pela bela septuagenária Céline. A partir daí, seguimos o sujeito enquanto este assume diferentes personas e vive estranhas situações, convertendo-se numa velha mendiga, num assassino profissional, num pai ressentido com a filha, num idoso à beira da morte e no Senhor Merde já visto na antologia Tokyo!, entre outros. Retornando sempre para sua limusine a fim de consultar os arquivos que trazem os detalhes sobre seu próximo “compromisso” ou "trabalho", Oscar salta de um personagem a outro com fluidez, levando o espectador a se questionar sobre a natureza de sua profissão e a lógica que rege aquele universo...
Imagine um filme surreal, multiplique por 1000 e eleve ao quadrado ai você vai chegar próximo de "Holy Motors". Exibido em sua época de lançamento em Cannes e no Festival do Rio, o filme do diretor francês Leos Carax é surtado ao extremo e talvez pela sua falta de dinamicidade ou alguma única explicação do que possa ser aquela suruba poética o filme tenha sido repelido em suma pela grande parte do publico e nem tão pouco seja aquele suspense ou blockbusters que você discute com seus amigos ou familiares sobre os pontos importantes da obra. É um filme totalmente difícil de absorção e extremista. Talvez, Carax tenha tido a intenção de desafiar o espectador a tentar desvendar toda a masturbação em cena ou pelo menos se imergir um pouco naquele conteúdo intraduzível e magnético. O fiapo da meada seria talvez transitar em alguns gêneros cinematográficos, passando pelo melodrama, ação, suspense, musical e até mesmo o sci-fi...
O desconhecido francês Denis Lavant, carrega toda a aura do filme nas costas, suas performances das mais variadas facetas são hipnotizantes, magistrais onde na essência do filme, é abordado a própria profissão do ator em toda a existência, refletindo seu espaço como um todo na humanidade, os contrastes entre a miséria e a riqueza, a juventude e a velhice, a saúde e a doença e a vida e a morte. Outra parte da narrativa que é bastante interessante a respeito de Oscar e que seu semblante e faceta vão se tornando mais frágeis e cansadas, talvez uma referencia ao desgosto com o retorno da Arte para que com ele. Igualmente admirável, aliás, é a habilidade do cineasta de introduzir brevemente discussões periféricas sobre o mundo contemporâneo sem com isso, soar superficial e Carax sugere um mundo de ideias sobre a obsessão com a fama e a febre das redes sociais ao enfocar relances que trazem a inscrição 'visite meu website', esplêndido...
Na parte técnica Carax também acerta em cheio. Sua fotografia é não menos que fantástica, em cada segmento luzes são acopladas e ajustadas para que toda situação seja vista e aproveitada com total aprazimento. A direção de arte é primorosa com enquadramentos e locais cada vez mais fantasiosos e energéticos. A montagem também é realizada com destreza, alternando cortes secos com a chamada “montagem invisível”, fazendo o filme fluir com facilidade e nos deixando ansiosos para o novo segmento que venha a surgir. Assistindo o filme, lembrei bastante de "Cidade dos Sonhos" do mestre Lynch que também é carregado de simbolismo e identidade visuais totalmente independentes onde o enigma paira a todo instante, já em "Holy Motors" na primeira cena onde encontramos uma sala de cinema com uma plateia adormecida, vigiados afinco por um cão imenso, só isso já abre uma margem de interpretação das mais variadas possíveis, podendo ser por exemplo espectadores domesticados por produções milionárias mas totalmente sem conteúdo...
A missão de Oscar é transformar-se em diversos tipos durante o dia e isso pode até parecer simples, mas obviamente não é, pois a cada nova sequência, "Holy Motors" enche o espectador de dúvidas e questionamentos. De tais considerações, a mais evidente é que o filme de Leos Carax tem forte apelo metalinguístico e expressionista. Prova disso é quando vemos um outro momento sublime, quando se da a participação da cantora australiana delicia gostosa, Kylie Minogue, onde é exposto o talvez maior hit de sua carreira, a música "Can't Get You Out Of My Head, onde a canção é usada como referencia a uma resposta para uma pergunta tola e posteriormente vemos Minogue despencando de um prédio e seu crânio é espatifado no chão sem nenhuma cerimonia...
Talvez "Holy Motors" seja no fundo uma grande bobagem sem sentido algum, mas eu ainda aposto que a fita seja repleta de mensagens subliminares, elementos surrealistas e referencias cinematográficas. Carax trata ao meu ver, todos esses elementos de maneira forte e marcante, as vezes chochando o espectador ora, incomodando e estuprando, mas sempre respeitando a inteligência de suas testemunhas. Carax não filmava um longa-metragem desde 1999 com seu "Pola X" e em 2008 dirigiu alguns segmentos em "Tokyo!", se ele demorou esse tempo todo para entregar uma obra-prima ou se o cara é gênio ou não já e outra historia, mas só dele ter conseguido arrancar uma boa atuação da deliciosa Eva Mendes já é um bom sinal... O que me impediu de dar nota máxima a obra foi o dialogo das limusines... A sequencia dos acordeões carimbou meus ouvidos...
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