Tendo escorregado nas bilheterias norte-americanos e pra mim com um título totalmente subjetivo, tive uma sensação que não queria ter ao longo do filme, mas que foi inevitável, compara-lo a "Rocky", isso pelo fato inegável de que filmes que tem o esporte como pano de fundo sejam locais fáceis para contar histórias de superação e vitórias. Não se engane com posteres e sinopses de "Warrior" o filme não é sobre MMA, é um drama bem deprimente e melancólico, com trilhões de fantasmas do passado que surgem a todo momento para lembrar os protagonistas porque estão ali e suas reais motivações, somos jogados na trama e ficamos ali escondidos acompanhando tudo de perto e sem poder reagir, como se estivessémos sido jogados no corner esquerdo esperando o juiz acabar a luta. Infelizmente lançado diretamente em DVD nas terras tupiniquins, "Guerreiro" é um filme muito especial...
Responsável pelos bons "Força Policial" e "Desafio no Gelo", Gavin O'Connor acerta inicialmente em não nos fazer tomar partido por nenhum dos irmãos Conlon. Os dois são bastante humanos com defeitos e virtudes que por vezes fazem que eles aparentem ser totalmente desconhecidos um pelo outro. De um lado, Brendan é um professor de física bastante pacato e boa praça com seus alunos, um chefe de família amoroso e protetor mas que se encontra totalmente em apuros devido a problemas financeiros. Do outro lado, Tom Conlon é um desertor do exército americano que parece precisar provar não para o mundo, mas em especial para si mesmo que não é um covarde, que possuí caráter suficiente para se redimir dos erros cometidos com seus companheiros fuzileiros navais. O'Connor vai expondo e apresentando de forma suave e sem pressa todas as características de cada um fazendo com que no final, torçamos para os dois.
O rolo compressor e real explosão pela vida que cada um tomou está o pai deles, Paddy Conlon, interpretado brilhantemente por Nick Nolte, que pelo menos pra mim se mostrou a melhor surpresa do longa. Coincidência ou não, Nolte já sofreu do mesmo mal de Paddy, o alcoolismo. Tendo treinado os filhos na infância e momentaneamente sóbrio (fazendo questão de frisar sempre que pode os mil dias que não coloca nenhuma bebida da boca), Paddy tenta redenção e se isentar um pouco por ter atrapalhado tanto a vida dos filhos anos atrás quando a família inteira sofria em suas mãos os abusos de quando estava embriagado. Paddy se mostra humilde ao fazer isso, mas constantemente é humilhado pelos filhos que agora adultos não poupam verdades jogadas na cara do pai. Quase rejeitado para o papel pelos produtores, o ator entrega sua alma ao personagem do pai Paddy Conlon. Sua expressão corporal, a força do olhar, a emoção passada em cada cena difícil, impressionam. Nolte está tão bem no papel, que sua atuação foi agraciada como uma indicação ao Oscar em 2012 na categoria de Melhor Ator Coadjuvante. Poderia até ter ganhado, mas tinha concorrentes de peso naquele ano, quem levasse seria mais que merecido.
Com todas as metáforas que a luta pode imergir a vida para o tatame, já vimos isso transposto para as telas em verdadeiras obras-primas como "Menina de Ouro" em 2004, "O Lutador" em 2008 e "O Vencedor" de 2010. Aqui, o filme não pode ser considerado menor, somente que não teve tanta sorte e não foi tão apreciado assim como os outros, quem sabe vire cult daqui a algum tempo? Na parte técnica, a fotografia não poupa imagens para nos prender e nos sugar para a história. Usando muito o cinza e outras cores escuras principalmente nos diálogos que envolvem pai e filho e ora por vezes já utilizando cores claras quando Brendan está com suas filhas e esposa, o diretor soube cadenciar isso de forma bastante positiva. A montagem e edição também estão ótimas, principalmente nas cenas envolvendo as lutas. O filme possui pequenos deslizes em alguns momentos do roteiro escrito por O'Connor em parceria com Antonhy Tambakis e Cliff Dorfman, como por exemplo o torneiro que os irmãos participam "Spartan" era almejado por trilhões de competidores e obviamente a trama se da o trabalho de encaixa-los nele sem maiores problemas. A luta também entre Brendan e Koba tem toques de Davi e Golias, muito forçada como já era esperado e outro deslize aparente é a inevitável final feita entre os irmãos.
Os irmãos Conlon são brilhantemente interpretados por Tom Hardy e Joel Edgerton. Hardy emprega eximia veracidade produzindo a vida de Tommy, que não faz questão de esconder a mágoa que guarda pelo irmão não o ter acompanhado junto com a mãe que estava doente. Um brutamontes no octogno, mas um homem com princípios e honra, como demonstra ainda 'fidelidade' à viúva de um amigo fuzileiro. Decorrências que achei cômicas e agradáveis também acerca de Tommy é a criação e 'mito' para os fãs de MMA e do torneio. Quando ele entra para lutar, não é tocada nenhuma música, não vimos patrocinadores em suas roupas e equipamentos e quando vence, imediatamente saí da arena, sem ao menos esperar o anúncio oficial do juiz, hilário! Edgerton que teve bastante destaque em 2010 por "Reino Animal" aqui está nada menos que soberbo com um Brendan querendo se aproximar do irmão e ficar em paz consigo mesmo e com a família, as cenas finais que efetua são de apertar o coração.
Tirando o escorregão da luta entre Brendan e Koba, O'Connor soube explorar extremamente bem a sensação do momento sobe a principal tutela de Dana White e o UFC: O MMA. A construção das lutas e coreografias soam bem reais, empolgam e emocionam. Há muitos golpes, sangue, suor, momentos impactantes, construção de adrenalina e obstinação, tudo bem balanceado, sem vez para a gratuidade. Destaque para as lutas de solo e o nosso grande expoente o 'Brazilian Jiu-Jitsu' criado pelo saudoso Hélio Gracie. Ocupando um longo, porém eficiente climax, o torneiro ocupa quase que 50 minutos finais da fita. Os momentos do octógono são totalmente harmônicos, as elipses entre uma luta e outra são fantásticas e os efeitos especiais para os socos, chutes e chaves de braço são mostrados realmente, não ficamos presos a cortes rápidos e frenéticos, tudo é acompanhando transparentemente aos nosso olhos.
Sem apelar para artifícios baratos no drama familiar, "Guerreiro" é um filme eficiente e muito bem realizado, o tornando especial. Agradará tanto os fãs de lutas e MMA, quanto pessoas que não se interessam e não gostam do esporte. Encerrando com uma conversa ao pé do ouvido, acertadamente mantida em sigilo para o público, e ignorando reconciliações artificiais ou um desfecho piegas, a fita funciona e merece ser descoberta pelo grande público. No final, não surge superioridade, nem hipocrisia, apenas uma maneira justa de se realizar um desfecho e tudo isso conduzido pela 9ª Sinfonia de Beethoven, puta merda véio, simplesmente imperdível!
Belo texto,mas atuações aqui são foda!
Bom texto, Lucas. Mas tem uma passagem especialmente confusa: "Com todas as metáforas que a luta pode imergir a vida para o tatame, já vimos isso transposto para as telas em verdadeiras obras-primas como "Menina de Ouro" em 2004, "O Lutador" em 2008 e "O Vencedor" de 2010.". O início da frase ficou esquisito, como se faltasse uma preposição ou alguma outra palavra.
Também discordo sobre a final entre os irmãos ser um deslize. Pra mim, funcionou como um dos momentos mais catárticos de toda a história.
Tirando esses dois detalhes, mais uma vez foi um prazer ler uma crítica sua! 😉
Vou confessar: assisti sem prestar atenção por não ter simpatizado com os primeiros minutos e quando comecei a me interessar, perdi o fio da meada. Mas parece ser um bom filme mesmo, pois até gostei do confronto final. Vou revê-lo e darei uma opinião mais bem fundada.
Ótimo texto, e esse filme com certeza entra na lista dos subestimados pelo grande público.