Por mais que o estilo exagerado de Tim Burton não agrade gregos e troianos, é inegável reconhecer os aspectos de qualidade característicos do diretor estiloso. Passando por suas obras mais conhecidas e aclamadas como "Batman", "Edward Mãos de Tesoura", "Ed Wood", "As Grandes Aventuras de Pee-Wee", "Os Fantasmas se Divertem", "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça", "Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas" e até mesmo suas obras menos expressivas ou execradas por parte do público e da crítica elas dispõem de particularidades que alçaram o diretor no posto que está e ter adquirido o status de grande profissional. Talvez, um espectador menos avisado e que não conheça o trabalho do cineasta não se sinta indiferente ou não note nada de apático na película, mas os fãs e apreciadores de filmes mais atentos iram identificar de cara que esse se trata do exemplar mais "normal" de toda a carreira de Burton. É o que mais se distancia de tudo o que já foi ofertado pelo diretor em toda sua trajetória. "Grandes Olhos" segue um ponto de partida linear, contido, mas sem deixar de ser totalmente fantasioso em sua essência...
Os quadros da artista plástica Margaret Keane se tornaram uma febre durante quase vinte anos ao redor do mundo. As crianças que eram pintadas na maioria das vezes em cenários depressivos, continha olhos gigantes onde a mesma afirmava que através dos olhos que a ela conseguia se expressar da melhor forma possível e Margaret ainda afirma que quando criança, por problemas de saúde não escutava muito bem então o que restava-lhe fazer era somente observar, olhar. Fugindo de um relacionamento do qual o pai de sua única filha a sufocava ao extremo, Margaret foge para São Francisco para perto de sua única amiga, DeeAnn, e já na cidade, ao conhecer Walter Keane sua vida viria a mudar completamente. Aqui, Burton mais uma vez repete a nuance de exibir e retratar personagens problemáticos, intricados, mas ao mesmo tempo complexos e enigmáticos. Na verdade, Margaret nunca foi problemática, era somente uma pessoa carente de afeto e sempre na ânsia de ser reconhecida por seu trabalho. O que acabou acontecendo de forma tardia, graças a seu segundo marido, Walter Keane.
Keane é um cara charmoso e astuto, sempre conseguindo envolver as pessoas ao seu redor. De personalidade ambígua, o oscarizado Christopher Waltz não consegue repetir em grandiosidade e magnitude as atuações que o consagraram mundialmente. Fica a impressão que Waltz poderia ter rendido muito mais se não tivesse entregado uma interpretação tão caricata e manjada. Seu Walter, que sonhava em ser reconhecido por seu talento, mas era incapaz de criar qualquer coisa, se torna facilmente patético e não vilanesco no seu caminho para a glória às custas de Margaret. Essa faceta constrangedora, contudo, funciona bem nas suas interações com o dono de uma galeria, interpretado pelo sempre bom Jason Schwartzman e na frente de um dos maiores críticos daquele época, vivido pelo também sempre competente Terence Stamp, mas de resto é vazio. Não sei se Waltz foi responsável completamente pela composição do personagem, mas o fato é que sua abordagem cômica é totalmente desnecessária e se afunda, ficando totalmente ofuscado quando Amy Adams divide a tela com o mesmo. Talvez Waltz não tenha se livrado até hoje de alguns resquícios de Hans Landa.
Burton repete a parceria com Larry Karaszewski, que também escreveu o script de "Ed Wood". Karaszewski conta com a parceria de Scott Alexander e juntos entregam um texto sensível onde vemos a batalha que Margaret trava consigo mesma por conta da mentira que conta pra si e sua filha durante todo dia. A personalidade de Margaret composta pela dupla é a mais frágil possível, sempre oscilando entre a determinação e insegurança, sublime. Alias, o grande nome de "Grandes Olhos" acaba não sendo Burton, mas sim Amy Adams. Adams consegue transmitir com maior veracidade possível toda angustia, sofrimento e as firmes ações da pintora. Margaret vivia um dilema estarrecedor, de um lado a mentira e a falta do reconhecimento mundial que ela não tinha, o que consumia toda sua alma, mas o dinheiro do império que seu marido construiu, traziam um conforto gigantesco para ela e para sua amada filha. No fundo, Margaret reconhecia o tato que Walter possuía para os negócios e sem a perspicácia dele, os grandes olhos nunca cruzariam as fronteiras da Califórnia.
Burton se mostra totalmente a vontade e conhecedor do trabalho dos Keane, já que o mesmo é colecionador das obras originais de Margaret. Burton novamente mostra ser um exímio condutor de narrativa visual, fato executado em todos seus trabalhos. Aqui, esqueça os excessos artísticos que o cineasta empregou com maestria, mas que acabou se tornando um pouco cansativo em obras como "Alice no País das Maravilhas", "A Fantástica Fábrica de Chocolate" e "Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet". Burton dessa vez se mostra controlado, um tanto quanto limitado e essa leveza na condução da obra faz o filme passar voando. Na verdade, a fita não possuí nenhuma cena memorável, apesar de várias sequencias dramáticas onde é impossível não sentir pena de Margaret. Tudo é muito equilibrado e sem excessos e talvez a fita teria uma qualidade maior se a sequencia do tribunal fosse mais elaborada e de forma mais arquitetada. Burton consegue resgatar sua qualidade como artista, mantendo sua assinatura visual e temática, mas com maturidade, sem exageros e demonstrando que esse, dos seus últimos quatro trabalhos, é o melhor.
De saldo final, o filme se mostra satisfatório e talvez minha nota seja alta demais, mas a história de Margaret me tocou bastante. A parte técnica do filme, como de costume de todos os trabalhos de Burton, se mostra soberba. A direção de arte é grandiosa e imponente, nos remetendo aos anos 50 e 60 de imediato. Repare nos carros, nas decorações das casas e no ambiente retratado em tela, até os letreiros e luminosos da bela cidade de São Francisco são autênticos e precisos ao extremo. O figurino de Collen Atwood também é intensamente fiel a época retratada, os vestidos, agasalhos e todo tipo de vestimenta são bastante idênticos ao tema proposto e a fotografia intensifica cores vibrantes e versáteis. O filme possui uma discreta narração de um renomado colunista de fofocas da época, Dick Nolan, interpretado otimamente bem por Danny Huston, o que de certa forma trás mais autenticidade ainda para a obra. Quase não sobra tempo para Krysten Ritter, Terence Stamp e Schwartzman em tela, mas a pouca projeção deles é muito bem aproveitada.
Com um orçamento modesto, estimado em míseros 10 milhões de dólares, uma ninharia perto dos 200 milhões de "Alice in Wonderland", uma das maiores bilheterias do diretor e por isso, o que soa como piada conhecendo as extravagâncias do cineasta, "Grandes Olhos" não mostra ser um longa "burtoniano" tradicional. Tem um tom de filme alternativo, independente muito diferente das melomaníacas produções do cineasta, é sem dúvidas o filme menos robusto de toda a carreira do diretor. É interessante e talvez proposital uma analogia entre o diretor e Margaret. Ambos tímidos e, fora dos padrões convencionais, comprovados por exemplo através do constrangimento de Margaret ao ver seus desenhos sendo vendidos no supermercado, logo enxergarmos Burton retraído nas premiações em que participa. A expressão “Atrás de um grande homem sempre existe uma grande mulher” é uma ofensa disfarçada de elogio. Um lembrete de que, por séculos, a maioria das mulheres viu sua capacidade limitada a uma posição de apoio. Eram filhas, esposas e mães, mas nunca elas mesmas... "Grandes Olhos" exemplifica isso da melhor e pior maneira possível. Que Burton entrega mais trabalhos como esse...
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