Em "Los Angeles – Cidade Perdida/L.A. Confidential", de 1997, Hanson recriou o clima dos filmes noir dos anos 40 com um talento absolutamente impressionante. 'L.A. Confidential' tem um clima forte, pesado, pegajoso, perturbador, de violência, corrupção, maldade, vilania, falta de lei, de ordem, de respeito. Vendo o filme, dá até para sentir o cheiro de lama, de podridão. E ficou famosa a sua frase em 1998: "Não faça seu melhor filme no ano de Titanic". Algo mais ou menos assim, não me lembro direito. Em "A Mão Que Balança o Berço", de 1992, o diretor soube criar um clima de claustrofobia, de medo, de pavor, de terror, que poucos filmes conseguem e não há fantasmas, vampiros, almas penadas, nada parecido com isso. Apenas a maldade de que algumas pessoas são capazes. Neste "Garotos Incríveis", um drama sobre comportamento, personalidades, Hanson consegue criar um fantástico clima de humor um tanto triste, irônico, sarcástico, que se mistura a uma grande simpatia pelos personagens que estão sendo retratados, pelas suas pequenas tragédias pessoais, pela sua dificuldade em escapar das trapaças que a vida lhes prega. Que a vida nos prega alias...
O Prof. Grady Tripp (Michael Douglas) é um gênio literário. No passado escreveu uma obra-prima que lhe garantiu um lugar de destaque na comunidade acadêmica americana. Infelizmente, com seu sucesso veio também uma sensação de aconchego. Ele passou, então, cinco anos de sua vida estagnado. Vivia apenas para lecionar, ser reverenciado por seus alunos, transar com a mulher do chefe e fumar muita, mais muita maconha. A história começa com o chapado professor sendo largado pela segunda (e jovem) esposa e sua amante, a diretora da universidade (Frances McDormand), anunciando que ele vai ser pai. Como desgraça pouca é bobagem, nas próximas horas Tripp vê-se às voltas com um aluno esquisitíssimo e promissor (Tobey Maguire), uma inquilina crítica e sedutora (Katie Holmes), o casaco de Marylin Monroe, um clone de James Brown, seu editor homossexual, um livro gigante, um travesti e um cachorro morto. Ufa!
É um daqueles raros filmes em que tudo funciona perfeitamente, tudo se encaixa, não há nada faltando, nada sobrando. A sensação que se tem é de que todos os envolvidos estavam no auge de sua forma, num momento mágico de encontro de talentos, de criatividade. Talento e criatividade são alguns dos temas que o filme aborda. Talento, criatividade, vaidade, ego inflado, competição, sucesso, medo de fracasso, inveja; todas essas coisas presentes em diversas das atividades humanas, mas especialmente presentes no ambiente universitário; toda a trama se passa numa universidade de Pittsburgh e em seus arredores, ao longo de um comprido fim de semana em um gelado mês de fevereiro, quando está acontecendo uma dessas festas literárias em que todo mundo se sente na obrigação de dizer frases geniais.
O filme trata disso tudo e também de infidelidade conjugal, mentiras, as distâncias entre a aparência e a realidade, a crise da meia-idade, os momentos em que as pessoas se vêem diante da necessidade de mudar o curso de suas vidas.
O cineasta gosta daqueles seus pobres personagens. São infiéis, um deles é um mentiroso compulsivo, outro é um drogadão, são vaidosíssimos, egoístas, cheios de si, mas não são maus caracteres, não são pessoas ruins. Têm problemas, dramas, falhas, defeitos ou seja, são humanos. Não é uma graça aberta, escancarada, que faz gargalhar. E não há desprezo pelo que se está contando, que é o que acontece muitas vezes no humor negro. Muito ao contrário. Muito melhor rir um pouco dos problemas em que nos metemos do que chafurdar naquela angústia sem fim de alguns personagens de certos filmes por aí, inclusive franceses...
Tobey Maguire está absolutamente fantástico como o garoto brilhante que industrializa a imagem do sujeito mais triste do universo. Nascido em 1975, tinha apenas 22 anos (mas já uma filmografia razoável em filmes e séries de TV) quando em 1997, foi o protagonista de "Tempestade de Gelo", o apavorante filme de Ang Lee sobre os ricos do subúrbio e a chegada da revolução sexual, em que contracenava apenas e tão somente com Kevin Kline e Sigourney Weaver. Dois anos depois, foi o protagonista de 'Regras da Vida', o belíssimo filme de Lasse Hallström sobre órfãos e o direito ao aborto, ao lado de Michael Caine e Charlize Theron. Em seguida vieram mais um filme com Ang Lee, "Cavalgada com o Diabo", e este 'Wonder Boys'. Frances McDormand nem é preciso falar. Atriz soberba, extraordinária. Terry Crabtree, o editor do livro de sucesso do protagonista, um sujeito que se finge de cínico sem ser, que se finge de mulherengo botando seu lado gay no armário é interpretado pelo também excelente Robert Downey Jr. que depois dessa fita se afundaria no inferno das drogas, renascendo das cinzas anos depois com 'Iron Man'.
Katie Holmes mais uma vez sendo a delicia que é, e só. Fechando a trupe Michael Douglas brilha. O filho do velho Kirk tem aquele problema que acomete alguns atores. ua personalidade é tão forte que vira sua persona. Como vários nomes do cinema, e arrisco dizer também como o grande Jack Nicholson, Michael Douglas não consegue interpretar ninguém que não seja Michael Douglas. A questão, ou melhor, a solução, é que o professor Grady Tripp é Michael Douglas de cabo a rabo. Grady Tripp é bonito, talentoso, se dá muito bem com as mulheres, tem um ego gigantesco, é super vaidoso; exatamente como Michael Douglas. Não é um mau caráter, de forma alguma. Só tem esses defeitos aí citados. Exatamente como Michel Douglas. Resultado: Michael Douglas está excelente como ele mesmo, quer dizer, como o professor Grady Tripp.
"Garotos Incríveis" teve três indicações ao Oscar: Roteiro Adaptado, de Steve Kloves, com base no romance de Michael Chabon, Montagem/Edição para Dede Allen, e Melhor Canção Original para “Times have Changed”, de Bob Dylan. Levou o prêmio de melhor canção. (No total, o filme teve 16 prêmios, e 33 outras indicações por preamições mundo a fora na época. A canção de Dylan ganhou também o Globo de Ouro.) Infelizmente a fita sofre do mal de vários e vários outros filmes por aí: o esquecimento. Passando brevemente por circuito de exibição na época aqui no Brasil, o filme foi muito pouco divulgado e acabamos por vê-lo sofrer do ostracismo por aqui. Uma pena. Um filme não menor de Hanson, mas que merece ser visto e reconhecido...
Ótimo texto, lembro de ter gostado quando assisti, mas preciso rever.
Obrigado Francisco... Quando você tiver um tempinho o assista novamente, não ira se arrepender...