Ritmo é importante, principalmente quando se trata de um filme político e, a princípio, restrito à história norte-americana. A queda de Nixon teve sua importância mundialmente, mas os pontos específicos da invasão do edifício Watergate mandada pelo chefe de Estado não são tão interessantes assim. O grande trunfo do roteiro de Peter Morgan, tanto do teatro como o do cinema, é mudar um pouco o foco: o título é “Frost/Nixon”, mas o nome de Frost é o mais importante. Antes um apresentador de talk shows e game shows, Frost se recicla para encarar aquela que seria a entrevista mais importante de sua vida...
Em 19 de maio de 1977, quase três anos depois de renunciar à presidência dos Estados Unidos, Richard Nixon (1913-1994) concedeu uma rara entrevista ao britânico David Frost. A conversa, dividida em quatro partes, gravada em quatro dias diferentes, se tornaria a entrevista mais vista da história da televisão mundial. Não é um assunto fácil, e o diretor Ron Howard o organiza na tela na forma de um semidocumentário: os assessores de Frost e de Nixon vividos pelos bons coadjuvantes Oliver Platt, Kevin Bacon, Matthew Macfadyen e Sam Rockwell surgem então em cena, falando diretamente para a câmera, como que relembrando o passado, os dias de tensa gravação, para ajudar o espectador a acompanhar a lavagem de roupa suja do Watergate e da Guerra do Vietnã, as pautas centrais da entrevista.
O filme mostra que os jornalistas Zelnick e Reston Jr. ficavam exasperados, arrancavam os cabelos, porque, nas semanas que precederam as entrevistas, David Frost parecia não se dedicar ao trabalho, não se aprofundar nos temas; preferia ficar gozando a boa vida em festas e passeios em Los Angeles ao lado de Caroline Cushing, uma jovem beldade que ele conheceu na primeira classe de um vôo internacional. Caroline é interpretada pela delícia inglesa Rebecca Hall. Ela funciona meio como o “female interest” do filme, a bonita figura de mulher que dá algum encanto aos olhos da platéia num filme povoado por senhores engravatados. Mas serve também para mostrar que o velho Nixon, por mais bandido que fosse, tinha uma qualidade: era tarado por mulher.
Assim como aconteceu com Helen Mirren ao interpretar a Rainha Elizabeth II em "A Rainha", de Stephen Frears, ou com a bela francesa Marion Cotillard, que ficou feia para fazer Edith Piaf em "Piaf", Frank Langella teve o melhor papel de sua vida como Richard Nixon. Sua atuação é estupenda, extraordinária, maravilhosa. Ela é toda cheia de matizes; seu Nixon demonstra arrogância, prepotência, inteligência, safadeza com relação a sexo, insegurança, medo, uns momentos de bom humor, e até mesmo arrependimento. No papel do apresentador de talk shows meio playboy, mundano, festeiro, mulherengo, menosprezado pela imprensa dita séria, mas na verdade inteligente, rápido de raciocínio, seguro, conhecedor das manhas da TV, Michael Sheen enfrenta o duelo com Frank Langella, o duelo Frost/Nixon, de igual para igual. Está muito bem esse ator nascido no País de Gales em 1969 que, no filme "A Rainha", interpretou também com brilho, o primeiro-ministro britânico Tony Blair. Os dois atores tinham já representado os mesmos papéis no teatro. Incorporaram seus personagens. Langella ganhou até um Tony, o 'Oscar' da Broadway pelo papel.
O suspense da música de Zimmer e a direção inesperadamente firme de Howard (que domina bem os momentos que pedem um close-up, os momentos que pedem um enquadramento simultâneo dos dois atores, etc.) transformam esse tema aparentemente sonolento em um duelo quase existencial. Quando não está narrando os momentos de gravação da entrevista, o texto de Frost/Nixon constrói nos bastidores de forma sintética, mas não reducionista, duas personalidades complexas, a do jornalista e a do presidente. O filme sobre a entrevista acaba sendo um filme sobre um combate de arena entre dois homens. O uso equilibrado do close-up por Ron Howard, aliás, é consciente desse poder da imagem - o diretor sabe, assim como os assessores de Frost repetem no filme, que um semblante imortalizado na tela num momento de derrota pode ser mais eloquente do que uma declaração de culpa. Para usar outro chavão, é aquela coisa da imagem que vale mais do que mil palavras.
O filme teve cinco indicações ao Oscar no início deste ano de 2009: filme, direção, ator (para Frank Langella), roteiro adaptado e montagem. Não levou nenhuma estatueta da Academia, mas ganhou nove outros prêmios e teve outras 36 indicações. E assim segue-se “Frost/Nixon”, revelando todos os bastidores dessa entrevista que, quando apresentada, conquistou a audiência de milhares de espectadores, que ouviram pela primeira vez após a renúncia Frost declarando a decepção que causou à nação americana. O que valoriza esse acontecimento histórico encenado nos cinemas é que não se trata unicamente de uma fita política, escancarando aos poucos o caráter e vulnerabilidade entre entrevistador e entrevistado em um verdadeiro duelo verbal. O resultado só não é melhor pela ausência de tensão que há em diversas passagens da entrevista. De toda a forma, é difícil que “Frost/Nixon” vença a difícil barreira do preconceito e seja visto por bastante gente, já que sua sinopse não é nem um pouco atrativa ao grande público. Caso alguém venha a conferir o filme por acidente, porém, terá uma agradável surpresa...
Adorei o texto, Lucas! O melhor seu que já li até aqui. Aliás, você já está entre os 10 usuários com mais críticas recomendadas. Parabéns! 😁
Foi com esse filme que Howard me conquistou. Demorei um pouco a ver porque a sinopse não me atraía, mas é uma história super bem conduzida e interpretada, como você bem pontuou em cada parágrafo.
Mais uma vez obrigado Patrick...
Eu tinha certa cisma e até mesmo preconceito com Howard, mas esse aqui me pegou de jeito...
E ainda depois veio "Rush", srsrsrsr...