Ah, confiança! As vezes quebramos a cara, mas em alguns casos quando demostramos ela para com alguém somos recompensados posteriormente, caso só um exemplo a confiança que Peter Jackson demonstrou no até então novato e totalmente desconhecido Neill Blomkamp. Jackson assistiu o curta metragem realizado pelo sul-africano "Alive in Joburg" e ficou encantado com o que viu. Rapidamente ligou para Blomkamp e depois de vários contatos e encontros depois, uma parceria nasceu e o sonho de levar para as telonas uma franquia grandiosa e lucrativa dos games nasceu: Halo. Artes conceituais, story-boards, roteiros e vários processos depois vem o banho de água fria: a Warner optou por arquivar a produção do filme visto que ficaram com um pé atrás por produzirem uma fita com orçamento estimado em U$S 200.000.000,00 e por pra tocar o barco um diretor totalmente novato. Blomkamp e Jackson não desanimaram, decidiram então efetuar outro projeto com um orçamento bem modesto para os padrões Hollywoodianos e que acabou se transformando em um grande sucesso. Azar para a Warner, sorte para nós...
Seguindo uma linha inicialmente documental, vemos a problemática situação burocrática que a capital Joanesburgo enfrenta quando uma espaçonave repleta de extraterrestres operários ancora no céu. Aparentemente sem um líder, estes "prawns" (apelido nada carinhoso que significa pequeno crustáceo, menor que um camarão) se encontram desnorteados, sem saber ao certo como proceder. Surge então o Distrito 9, uma área onde os visitantes podem residir e assim coexistir "pacificamente" com a raça humana. Mas depois de décadas, o local (que virou uma favela criminosa) acaba se tornando um incômodo para a população. Visando a melhoria de vida dos habitantes ao redor, é autorizado uma espécie de novo apartheid, em que todos os aliens seriam reposicionados no Distrito 10, extremamente afastado da civilização. E à frente dessa desocupação está Wikus Van de Merwe, um funcionário da megacorporação MNU - instituição que, além de possuir esse lado "social", também domina o mercado armamentista. A principal motivação da MNU é usurpar inteligência alienígena, descobrindo, por exemplo, como utilizar suas armas biologicamente desenvolvidas.
Exageros e polêmicas à parte, "Distrito 9" deve ser entendido como uma profunda crítica aos ditos países desenvolvidos que sempre querem resolver a situação dos países subdesenvolvidos, obviamente sempre visando seus próprios interesses. E não faltam referências a isso no filme. A organização que planeja a retirada dos aliens chama-se MNU, uma óbvia alusão à ONU. Os aliens que não conseguem voltar ao seu planeta acabaram criando favelas causando um descontrole social com tráfico de armas em troca da comida favorita dos aliens: comida de gato! Bastam vinte minutos para que todo o cenário seja levantado e, trazendo como pano de fundo, uma forte e brilhante crítica social ao mesmo comportamento com que o ser humano é tratado e a consequente criação das favelas numa decadência social que passa por privação às necessidades básicas, má alimentação, exploração por parte de governos e grupos de contrabando, além de incompreensão e descaso por parte das camadas economicamente superiores da população. Saem os negros, entram os Et's, mas no final a xenofobia e ou racismo e imundice do ser humano aflora do mesmo jeito...
O roteiro equilibra muito bem o ficcional entre os seres do espaço com as referências e críticas sobre os fatos que ocorrem até hoje em vários países. Tudo funciona com harmonia e fluidez, narrado ora aos moldes de um documentário intercalando com a ação extrema nas cenas de maior combate entre humanos e alienígenas, temos aqui uma nova obra-prima de sci-fi. Na parte técnica os efeitos especiais beiram a perfeição, é tudo muito orgânico. A câmera tremida e a integração perfeita da CG com o ambiente faz das cenas uma realidade palpável. Méritos para Jackson que com certeza acompanhou de perto a construção de seu "filho". Com um orçamento de apenas US$ 30 milhões (efeitos especiais têm importante papel em blockbusters americanos então esse valor para eles é quase risível) em nenhum momento a concepção artística deixa a desejar, mostrando que é possível apresentar um produto final equilibrado e com um custo mais baixo desde que a trama tenha condições de se sustentar junto ao público. E para fechar, a montagem e edição do filme também estão sensacionais, trazendo ritmo ágil e frenético para a narrativa.
"Distrito 9" é apenas o trabalho de estréia de Sharlto Copley. Na verdade ele havia trabalhado somente no curta e essa fita aqui acabou por alavancar sua carreira. Sua presença na trama agindo com uma naturalidade ímpar nas sequências documentais, bem como encarnando uma transformação dramática ao longo da história, que faz com que ele porte-se ainda como herói de ação ou vítima do sistema sua atuação é digna de atores experientes já com um histórico de produções de sucesso, a ponto de carregar sozinho, grande parte da condução de um filme. Sua participação é tão bem sucedida que é lamentável perceber sua ausência nas listas de indicações em premiações mundiais para melhor ator na época do filme.
O que impede de "Distrito 9" ser uma obra prima é sua meia-hora final transformada em "Transformers". É claro que a fita precisava de doses de ação, mas talvez a dificuldade de Blomkamp em encerrar a película (fruto acredito de sua inexperiência) tenha ocasionado em um emaranhado de tiros e explosões, mas nada que tire o sucesso final da fita. Não se prendendo apenas aos bons efeitos especiais, a trama se mostra ainda eficiente a ponto de brindar o espectador com um final aberto e tocante, sem apelar para subtramas deixadas pela metade ou mesmo para o uso desmedido de trilha sonora para provocar emoção no espectador. A confrontação é meramente visual e de uma sutileza encantadora. Um excelente filme, criativo, inteligente e muito bem feito, seja na parte visual e efeitos especiais, seja na atuação do protagonista ou na história simples e direta com a crítica social como pano de fundo. Só por ser diferente de tudo que é feito costumeiramente no cinema, já valeria a pena. Mais que isso, trata-se de um obra que extrapola os limites do bom entretenimento, por, além de tudo, lhe fazer pensar e refletir.
Poxa obrigado André e muitíssimo obrigado caro Gustavo, tem muito texto bom aqui no site...
Texto fantástico, concordo com tudo com que foi dito.
Filme subestimado. Para mim, é o melhor sci-fi dos últimos anos.[2]
Ótimo texto, Lucas. Quando assisti, fiquei com o nariz torcido, mas bastaram alguns mnutos e me rendi ao filme, que é muito bom mesmo. Parabéns