A história real de um assalto mal planejado, que deveria durar dez minutos e acabou durando mais de dez horas, tornando-se o principal evento da televisão norte-americana no dia é contada com maestria pelo excelente Sidney Lumet, auxiliado por uma atuação magnífica de Al Pacino e um trabalho técnico muito competente que tornou o filme extremamente realista. A história é sobre um cara que assalta um banco com o objetivo de conseguir dinheiro para que seu namorado faça uma operação para trocar de sexo. Baseado em fatos reais, na época houve grande polêmica, pois não havia filme algum que falasse sobre homossexualismo e tivesse no elenco uma estrela consagrada como Pacino...
Sonny é o que podemos chamar de lixo social, que a sociedade produziu e que não sabe o que fazer com ele. Sua vida é fracassada. Sua esposa, gorda, mesquinha e egocêntrica, é do tipo que fala pelos cotovelos e é incapaz de compreende-lo. A mãe de Sonny é atormentada e tem uma relação conturbada com o pai dele, que o renega. Joga a culpa pelo fracasso do filho em outra pessoa, a esposa dele, que ela odeia. Sony se envolveu com um homossexual, Leon e casou com ele, outro personagem atormentado por não se sentir completo e por desejar fazer uma operação de mudança de sexo. Ou seja o cara tava F-O-D-I-D-O...
Sidney Lumet, conhecido pelo realismo social depositado nos seus filmes, bem como pela ênfase colocada na direção de atores, consegue em “Um Dia de Cão” justificar em pleno estas reputações. Desde logo se percebe que o filme está longe de ser a simples narração de um crime ou do dia a dia de um grupo de gangsteres. A ação é deixada de lado (de facto apenas dois tiros são disparados em todo o filme), e substituída pela gestão das tensões acumuladas, e manipulação das emoções tanto no filme, como no espectador, algo aliás em que Lumet se revelara perito logo desde o seu primeiro filme “Doze Homens em Fúria” (12 Angry Men, 1957).
Na metade da narrativa da trama o público transforma Sonny em herói instantâneo na porta do banco, vibrando com seus protestos enquanto recebe dinheiro que ele arremessa, mas ao descobrirem seu envolvimento com o homossexual, vira motivo de piada; a mídia não sabe como vender sua imagem para tirar proveito, enquanto espera pelo sangue derramado como urubus em carniça. Os próprios reféns, a certa altura, já se envolveram no assalto ao ponto de darem sugestões aos assaltantes. Por fim, a resolução do filme é tensa e bem filmada, o que garante a surpresa do espectador até os últimos instantes. Genial!
A genialidade de Lumet se mostra também nos movimentos de câmera como se estivéssemos em um documentário e ele também mantem um constante clima de urgência, mantendo uma sensação de que sempre algo pode acontecer. Esse peculiaridade inesperadamente na tela também é mérito de Dede Allen e Angelo Corrao, dupla responsável pela montagem do longa. Outro sobressalente da película é a fotografia granulada de Victor J. Kemper escurecendo-a já nas partes finais do filme...
Apesar de toda a genialidade que cite por parte de Lumet, a força do filme se concentra na enérgica e sensacional atuação de Al Pacino. Na época um grande astro, devido ao sucesso dos dois primeiros filmes da trilogia “O Poderoso Chefão”, o ator se mostrou extremamente corajoso ao aceitar este papel, que envolvia homossexualismo, e arriscar sua reputação. Porém sua excelente atuação e o ótimo filme provaram que ele estava certo em sua escolha. Quando Sonny começa a ligar para as pessoas importantes de sua vida, Lumet vai aproximando a câmera de seu rosto, transmitindo o desespero de Pacino, que já estava exausto.
É um jogo de diálogos ágeis e situações bem orquestradas que nos envolve mesmo não saindo do lugar. Um filme relativamente longo, com pouco mais de duas horas, mas que não nos faz sentir o tempo passar exatamente por essas estratégias tão bem articuladas. E o mais interessante é que não há uma única música para compor cenas. A trilha sonora se resume aos sons ambientes e diálogos, o que poderia deixar tudo ainda mais cansativo. Há um diálogo entre Al Pacino e Chris Sarandon, que faz o Leon, mesmo no telefone que tem mais de dez minutos e seguimos envolvidos, até pela forma como já estamos cúmplices daquele personagem além é claro da genialidade dos dois atores.
O final, ainda que esperado, não deixa de nos provocar alguma amargura, numa história onde não há bons nem maus, e facilmente tomamos o partido dos criminosos, que são neste filme de uma enorme originalidade, profundidade e honestidade (confirmadas pelo próprio John Wortzik, o verdadeiro assaltante). Destaque ainda para a interpretação de John Cazale, compondo um Sal minimalista, um pouco frágil, um pouco brutal, mas sempre imprevisível. “Um Dia de Cão” foi um sucesso junto do público e da crítica, recebendo seis nomeações para o Oscar nas categorias de Melhor Filme (Sidney Lumet), Melhor Diretor (Sidney Lumet), Melhor Ator (Al Pacino), Melhor Ator Coadjuvante (Chris Sarandon) e Melhor Edição/ Montagem (Martin Elfand) e vencendo na categoria de Melhor Roteiro Original (Frank Pierson).
Extremamente ágil e tenso, porém balanceado com muitos momentos de bom humor, Um Dia de Cão mostra como uma pessoa normal pode se tornar um perigo para a sociedade se não souber lidar com seus problemas da forma correta. Com mais uma ótima direção de Lumet e uma atuação fabulosa de Al Pacino, garante duas horas de bom entretenimento e ainda traz boas reflexões para o espectador a respeito de temas polêmicos como o sensacionalismo exagerado da imprensa, o homossexualismo e o método controverso da policia norte-americana na época...
realmente excelente sua crítica, meu amigo, parabéns!! Filme foda!
Ah, só lembra da próxima vez usar o termo "homossexualidade", ok? 😎
Ok Alan! Mais uma vez, muito obrigado pelo elogio...