A grosso modo, “O Bandido da Luz Vermelha” poderia ser descrito como uma mistura debochada de ingredientes cinematograficamente exóticos, um liquidificador cinematográfico que mistura alta e baixa cultura, povão e elite, sem distinção. Há influência nítida no longa-metragem das chanchadas marginais e baratas da Boca do Lixo paulista, mas também existem traços visíveis das narrativas alegóricas e politicamente engajadas do Cinema Novo. Telenovelas, tablóides sensacionalistas e programas policiais de rádio também entram na mistura. Sganzerla também estava antenado com o que se fazia fora do Brasil – é evidente o paralelo com longas como “Acossado” (1959). Sganzerla tem a verve transgressora e o desejo ardente de transgredir dos franceses da nouvelle vague. É o Jean-Luc Godard dos pobres...
A trama foi inspirada em um caso real, e narra a trajetória de um charmoso bandido paulistano semi-analfabeto (Paulo Vilaça), que invade mansões nos bairros nobres da cidade para roubar, estuprar e matar sem piedade. Sganzerla, no entanto, não conta uma história com começo, meio e fim, mas une livremente seqüências isoladas, sem se preocupar com a unidade narrativa. O fio condutor dessa bagunça criativa é a narração em off, inspirada nos locutores de rádios sensacionalistas: um homem e uma mulher se alternam lendo frases bombásticas daquele jeito histérico que os apresentadores de programas policiais de baixo escalão, tipo Gino César ou Gil Gomes, gostam de fazer...
Godard e Welles (que mais tarde seria uma idéia fixa para Sganzerla a ponto de lhe dedicar dois longas sobre a sua passagem pelo Rio de Janeiro em 1942) são influências decisivas para o jovem cineasta, que desponta, logo neste primeiro longa, com uma obra-prima. Se os filmes iniciais do Cinema Novo procuram o modelo no neo-realismo italiano, com incursões na Nouvelle Vague (Os cafajestes, de Ruy Guerra), o Cinema dito Marginal tem como fontes inspiradoras a estética godardiana, os filmes subterrâneos novaiorquinos (John Cassavetes, Jonas Mekas, Shirley Clarke…) e, no caso do autor de O bandido da luz vermelha, Orson Welles e Godard. Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, filme que traumatiza, em 1964, o cinema brasileiro, tem uma colcha de influências (John Ford, na exploração dos grandes espaços, Akira Kurosawa, na gestualística de Corisco, Serguei Eisenstein, na matança dos beatos, a tragédia grega, na configuração do cego Júlio como fio condutor, etc, etc). O Cinema Marginal vem para dar uma resposta ao discurso já saturado (e impedido pela ditadura) dos cinemanovistas. É verdade que Terra em transe, de Glauber Rocha, já apresenta uma estrutura narrativa com acentos fortes de Orson Welles...
Sganzerla assume a boçalidade, o cafajestismo, e seu filme é brega nos pontos certos... Quando se revê, hoje, O bandido da luz vermelha, é que se percebe o quanto o cinema brasileiro está medíocre em sua produção atual. Se o cinema de invenção acabou, também o delírio está afastado da cinematografia nacional. O realismo exagerado é contraproducente e afasta a imaginação. É preciso que os filmes voltem a serem delirantes como este de Sganzerla, os de Glauber e tantos outros dos anos 60....
Muito bom texto Lucas! Você ultimamente tá inspiradíssimo, textos e mais textos em um curto espaço de tempo, parabéns!
Pô Darlan fico feliz cara, eu viciei nesse negócio cara, ta sendo quase uma crítica por dia, hehe... 😁
Um dos melhores textos que já li neste site, seja da equipe ou dos usuários. Parabéns Lucas. Siga assim, cara.
Po galera valeu mesmo fico lisonjeado aqui 😳