De tempos em tempos, ouve-se que os jogadores não têm mais amor à camisa, jogam apenas pelo dinheiro, que antigamente as coisas eram diferentes, que o amor pelo esporte e pelo time e pela seleção eram o que importavam.Diz-se também que o maior culpado pela corrupção da sociedade é o dinheiro. Mas, ao mesmo tempo, acredita-se no sonho americano, de que qualquer um é capaz de sair da pobreza e - através de seus esforços, seu talento, seus princípios - chegar ao topo.
Essa contradição, que já é curiosa por si só, ao ser retratada por David Zucker, veterano da comédia satírica, só poderia acabar mesmo nisso, numa sátira bastante divertida. A base pra isso é filmes de esporte, aqueles em que um time ou um jogador, por quem ninguém dá coisa alguma, se torna o grande campeão, após enfrentar vários obstáculos impostos por um vilão extremamente malvado (que tem alguma ligação com o time rival) e conquistar o coração de uma mulher maravilhosa (não sem antes ser dezprezado, aceito e desprezado novamente por ela); em outras palavras, o sonho americano por excelência.
O filme inicialmente apresenta seus protagonistas como crianças, quando num jogo de baseball, um deles, Coop (Parker), consegue pegar a bola do terceiro home run de Reggie Jackson do jogo. Naquele momento, ele diz ao amigo Remer (Stone) que um dia se tornará uma estrela do esporte. Ocorre uma elipse de alguns anos, agora vemos Coop e Remer adultos, indo a uma festa/reunião, para qual não foram convidados, da sua antiga turma do Ensino Médio. Enquanto os ex-colegas são apresentados como adultos bem-sucedidos, os protagonistas continuam os mesmos do tempo de escola; na verdade, são as mesmas crianças daquele jogo de baseball, com a diferença que agora bebem cerveja. Na festa, acabam entrando num jogo de basquete valendo 50 dólares. Antecipando a derrota, inventam algumas regras ridículas para que consigam vencer. O esporte é uma mistura de baseball com basquete, as modificações são feitas apenas para se encaixarem com as características de Coop e Remer: arremessos do basquete, mas um esporte mais parado, tal qual o baseball. Além disso, é divertidíssimo vê-los trapaceando no jogo e adicionando a trapaça às regras apenas para vencerem o jogo. Com esse início, Zucker consegue construir muito bem os dois personagens principais: são grandes amigos preguiçosos que não têm dinheiro, não têm físico para serem bons atletas, não são inteligentes, não são bons moços, não têm talento aparente algum, enfim, são dois losers, dois caras que não alcançaram ou alcançarão o respeito da sociedade.
Mas Sem Trapaça Não Tem Graça é uma sátira: o esporte que esses dois caras inventaram apenas para não perder um pouco de dinheiro vira uma mania, primeiro no bairro, logo nos EUA inteiros, torna-se um esporte profissional. Porém, Tedd Denslow, que foi quem o profissionalizou, é um daqueles caras das antigas, para quem o esporte é algo acima do dinheiro. Portanto, algumas das regras da National Baseketball League são tais como: jogadores não podem mudar de times, não se pode vender produtos com o nome dos jogadores ou do esporte. O vilão aqui antes de desejar a vitória, deseja explorar financeiramente o esporte. E, se em outros filmes, as atitudes diametralmente opostas dos donos de times seriam maniqueístas, elas se encaixam perfeitamente na proposta de Zucker de zoar tanto os puristas tanto quanto aqueles capazes de explorar criancinhas indianas apenas para obter maior lucro.
Além disso, o diretor (e corroteirista, ao lado de Robert LoCash, Lewis Friedman e Jeff Wright) também aproveitam para fazer piada com crianças doentes terminais, com a Índia, com as mulheres-objetos, com as cidades-sedes dos times. Entretanto, ele sabe como não ofender, as piadas visuais abusam do nonsense, é impossível levar qualquer coisa a sério neste filme, e, por isso, as escalações de Parker e Stone são precisas: aqui, tal qual em South Park, se compreende que, na ficção, o mais mortal dos ataques não necessariamente terá mais efeito dali a pouco; se ,na série animada, nem mortes são eternas, aqui, personagem troca de roupa só com um corte , cena é dramática no primeiro plano e cômica no segundo, personagem importante morre do jeito mais esdrúxulo possível. Tudo é motivo para piada.
Ainda assim, muitas delas não funcionam como pretendido, são raras as "trapaças" durante os jogos que realmente são engraçadas- ao contrário das do jogo na festa, que são sensacionais-, um personagem ser alvo de todas as desgraças perde a graça com certo tempo de filme, os atores, são em sua maioria, bastante fracos - Yasmine Bleeth e Jenny McCarthy receberam indicações ao Framboesa de Ouro, e Matt Stone abusa das caretas. Trey Parker e Robert Vaughn (se) divertem com seus personagens, porém. Sem dúvidas, este não é o melhor filme de Zucker, nem é o melhor dos projetos de Parker e Stone, e, ainda que agrade quase o tempo todo, o filme parece ser mais inteligente do que engraçado.
Apesar disso, o último plano faz com que se esqueça destes excessos, concluindo tematicamente e fazendo uma excelente piada, mostra dois caras que começaram como losers, que, depois de ter a sorte de que as pessoas gostassem do esporte que inventaram, continuam iguais, só que têm namoradas gostosas, são campeões mundiais e o orgulho da nação.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário