De mulher para mulher: Rosa Luxemburgo e Margarethe Von Trotta, a diretora alemã conhecida por seus filmes feministas, isto é, que colocavam a mulher no centro das atenções nos filmes que dirigia, suas relações com maridos, irmãs, filhas e netas, acabou seguindo um projeto antigo de um velho amigo, Rainer Werner Fassbinder, de fazer um filme sobre a maior figura revolucionária da história de toda a Alemanha. Rosa Luxemburgo está para as mulheres marxistas como Karl Marx está para os homens do movimento. Foi imprimindo a sua pessoalidade ao roteiro e a figura de Rosa como mulher lutadora e importante para a sua sociedade, que nasceu este belíssimo trabalho.
O filme é bastante feliz e fidedigno ao retratar o sofrimento do operário mundial de 1900, bem como a força macabra e expressiva da polícia assassina alemã, que daria espaço para o que chocou o mundo anos depois, com a Gestapo Nazista de Adolf Hitler e sua máquina de moer gente. Von Trotta consegue falar sobre outra figura feminina muito importante e com uma delicadeza ímpar: a sua Alemanha. Ela não se abstém a narrar apenas os acontecimentos de 1918 e 1919, a parte mais importante da revolução alemã, que não triunfou como ocorrera na Rússia Soviética de Lênin e Trotsky. Quem assiste este exemplar de 1986 - que até hoje segue como “o filme” sobre a revolução alemã, por ver na figura de Rosa a sua principal expressão – e sabe o que era a Alemanha algumas décadas antes, e que provavelmente sabe o que viria a ser a Alemanha algumas décadas depois, com o florescer do Terceiro Reich, e todo o seu aparato de Estado assassino, consegue compreender nuances únicas aqui. Os problemas policiais, o estado que aprende a assassinar figuras populares sem o menor pudor, a desvalorização da vida – qualquer que seja, a falta de ânimo após a derrota na Primeira Guerra Mundial, a luta de classes, o aparato judicial vendido para grandes figuras políticas – a lei em segundo lugar.. Tantas coisas.
Se Margarethe Von Trotta sofrera preconceito em plena década de 1970 por ser mulher e tentar “fazer filmes sérios”, o que restaria para uma mulher, no mesmo país, em 1919, tentar fazer uma revolução e dizer-se libertadora do povo internacional? O que separou Rosa de Trotta foram alguns anos, e talvez algum certo tipo de radicalidade teórica e de ação, porque ambas estiveram em pleitos decisivos para o seu gênero e ideal.
Anos depois, em 2012, tanto Barbara Sukowa quanto Von Trotta voltariam a vidrar os olhos do mundo para um trabalho com essa dupla, no filme de Hannah Arendt, filosofa judia. Mesmo que este segundo seja mais conhecido internacionalmente – provavelmente foi mais visto por ser um mundo mais globalizado e de mais fácil acesso aos filmes, é em Rosa Luxemburgo, que me parece que certos objetivos exemplares foram atingidos.
Eu falo muito em representações e objetivos, é verdade, mas antes disso, em assuntos mais técnicos que políticos, mais interiores do que exteriores, a Rosa como cinema artístico também é experto. Sua encenação de época, contida na maioria do tempo em ambientes internos, isto é: louças, mesas, toalhas, roupas, sapatos, vidraças, talheres, brincos, anéis etc. É bastante perfeita. Sempre penso que um filme histórico é mais potente feito na região de origem em que ele fala e com atores da origem em que ele fala (por exemplo: um filme sobre o nazismo alemão é mais potente feito na Baviera com atores de lá do que em alguma produção Hollywoodiana), e mais ainda, com a proximidade do que fala (por exemplo: um filme sobre a sociedade dos Estados Unidos em 1930 vai ser mais fiel visivelmente feito em 1960 do que feito em 2010). Claro que isso tudo depende da produção e do engajamento técnico dos artistas, não só da época e do lugar, mas é difícil que qualquer outro filme sobre Rosa supere a sua simplicidade grandiosa, exatamente assim, nessa contradição, entre o que é cru e o que é charmoso.
Cada vez que a fundadora da Liga Espartaquista falava, com a sua presença de palco e dicção específicas, cada detalhe em cena parecia relevante: um símbolo vermelho, uma bandeira com seus bordões específicos e cada ouvinte atento na plateia, que muito me chamaram a atenção, por suas diversidades de roupas. Geralmente nesses filmes históricos, numa cena de conglomerados, os homens e mulheres são bem parecidos, aqui não, e isso é bem importante.
A opção por mostrar cenas históricas verdadeiras, como em um documentário, dá uma realidade presente da contextualização abordada. Principalmente quando Rosa e uma amiga, ao andarem na neve, presenciam um treinamento militar que mostra que a guerra se torna cada vez mais inevitável. A semelhança dessa cena filmada com as cenas mostradas através de arquivos históricos, traz um medo presente na figura de Rosa e do quanto ela queria que nada daquilo acontecesse.
Apesar de grandioso, é claro que faltam passos dados pela biografada. Muitos foram os historiadores e leitores das teorias de Rosa que sentiram falta de alguma de suas lutas mais importantes, seja os sindicatos, a educação ou mesmo a proximidade que tinha com revolucionários russos como Vladimir Lênin e Leon Trotsky, ainda que os criticasse muito.
Mas é isso mesmo, a própria cineasta dissera que tentaria levar uma visão diferente e mais pessoal do que pretendia Fassbinder, que morrera em 1982, e de fato ela o fez. Cadenciando poesia, política, vida amorosa e conflitos interiores, aqui temos um bom cinema.
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