First They Killed My Father: A Daughter of Cambodia Remembers (2017) é uma simbiose de bons e maus filmes norte-americanos, traz tudo aquilo que bons filmes, em seus contextos sócio-históricos, ao exemplo de como Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998) tem, assim como Gladiador, o clássico de Ridley Scott, que tem algumas cenas inclusive "copiadas" neste exemplar que comento; mas também, traz consigo, em seu núcleo, uma bagagem de maus filmes com clichês desconcertantes, principalmente aqueles de alguma guerra nada humanitária, injusta acontecendo em algum canto do mundo que especificamente nenhum norte-americano se importa de estar ocorrendo. É o exemplo de American Sniper (Sniper Americano no Brasil, de 2014) e Hacksaw Ridge (Até O Último Homem, 2016). Mas o que exatamente essas películas cinematográficas, bastante recentes, possuem em comum? É aquilo que Slavoj Žižek chamaria de um belo guia pervertido da ideologia - no cinema.
Percebam: faria alguma diferença a menina cambojana ser vietnamita, laosiana, japonesa ou mexicana? Não. Eu não li o livro de Loung Ung, a ativista cambojana que inspirou o enredo do filme, mas já percebi diversas pessoas que tem um conhecimento mais profundo do que eu sobre o assunto, e que estranhamente se sentiram incômodas por causa de algumas mudanças no roteiro, digamos, tornada dramáticas demais mesmo para um filme tão relevante. Porque afinal é um filme com ares hollywodianos feito em outra língua, sem atores brancos do Norte dos EUA e sobre - talvez a parte mais importante - a história contemporânea do Camboja. Porque é certo que os norte-americanos adoram crer que comunistas sempre comeram, e ainda comem, criancinhas indefensas. Então, em nome dos direitos humanos - porque é um assunto que se na rua é polemico, em filmes sempre desperta lágrimas, mesmo dos mais durões - e dos povos da Ásia, voce pega um dos regimes/grupos mais sanguinários da história do século XX e só segue no modo automático, com cenas de desespero, cenas de amor familiar, seguidas de separação, seguidas novamente de afeto e seguidas mais uma vez de separação.
Slavoj Žižek iria se saborear bastante ao achar nas entrelinhas deste, que foi selecionado pelo Camboja como o melhor filme de seu ano, quer dizer, para concorrer a um Oscar estrangeiro de melhor filme, cenas de sentimento de culpa, de apelo dramático através de alguma tentativa boba de laço com o público, essas baixarias que por vezes o pessoal do cinema se preocupa mais em pensar do que no próprio filme, por exemplo. Algo que talvez eu nem possa saber fazer da mesma maneira, como Slavoj. Entretanto, não considero um filme perdido, uma desgraça cinematográfica, muito pelo contrário, porque apesar das irregularidades, adoro saber que talvez um filme com legendas em cambojano atinjam pessoas que nem saibam localizar o país no mapa geográfico do globo. Além de claro, apresentar uma parte terrível do país para um público praticamente leigo naquela parte da Ásia, embora, claro, haja ali intenções claras demais.
Com intenção clara de agradar a Academia, Jolie constrói uma fotografia de encher os olhos, muitas vezes, sem torná-la excessivamente bonita, ao ponto de ser enjoativa. Um erro bastante comum nesse tipo de olhar. Anthony Dod Mantle foi escolhido por Jolie para manter uma prática que a nova diretora vem testando em seus filmes, por enquanto no quarto exemplar, dificilmente o último: a fotografia. Dod Mantle já é um cinematógrafo carimbado, ativo participador nos filmes do cineasta britânico Danny Boyle, este cumpre a sua função. Já que First They Kil.. é exuberante aos olhos, e possui traços marcantes, ângulos inteligentes em cenas áreas, e em tomadas montadas milimetricamente, ao exemplo da cena inicial da menina observando todo um contexto de radicalização política pela janela da sua casa de luxo. O maior problema que parece surgir disso são as gorduras não retiradas do roteiro, hipérboles desnecessárias, parecendo que Jolie gostou tanto das imagens que tentou retirar o mínimo possível na sala de edição, deixando o filme arrastado. Somado a isso, a falta de diálogos que evidenciam a situação vivida, não apenas nos olhos da menina - o que por si só é bastante subjetivo, digo, de escolher entre silencio e fala -, fazendo com que situações até mesmo chamativas fiquem desconexas por uma falta de envolvimento daquele que assiste na trama.
Mas afinal, o que é o tal do Khmer Vermelho? Pura chantagem ideológica de uma cineasta norte-americana? Mais uma calúnia ocidental dos mentirosos que procuram denegrir os governos autônomos do Terceiro Mundo? Bem, sim, mas não exatamente. Uma consequência direta da Guerra do Vietnã (1955-1975), o Partido Comunista do Kampuchea tomou o Camboja para seu, entre os anos de 1975 e 1979, a partir daí, têm-se uma confusão muito doida ao ponto dos próprios EUA apoiarem o Khmer Vermelho buscando derrotar o Vietnã Comunista, que acaba invadindo o Kampuchea Democrático, enfim, é muito confuso. Mas mesmo eu, com algum conhecimento dos acontecidos, fiquei bem perdido nas cenas de 'batalha', sequer sabia quem estava invadido quem, quem atacava quem, e me pergunto se Jolie também saberia explicar. Ao menos a cena em que a criança observa todo o massacre do conflito, deitada na água, é muito bela. E também há uma inescapável alma feminina muito linda e presente no filme, mesmo na melosa cena do parto, Jolie parece estar também falando de algo bastante pessoal. De qualquer forma, ainda é preciso voltar a falar no Khmer Vermelho e suas 2 milhões de mortes, mas com mais precisão.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário