Mais do que uma história sobre "aberrações" tentando viver como pessoas normais, "Monstros" trata da valorização da beleza que acomete a humanidade desde os tempos antigos. Isso se percebe logo ao prólogo, uma das melhores partes do filme, no qual ele disserta sobre como esse culto se deu na mitologia, no folclore, na literatura, no modo como a sociedade renegava as pessoas "deficientes" e, muitas vezes, as explorava para o seu próprio divertimento. Essa parte explica também sobre o código de lealdade entre eles, que, mais tarde, viria a ser importante. O mais interessante é quando ele diz que "nunca mais uma história assim seria filmada, uma vez que a ciência estava trabalhando para eliminar 'tais enganos da natureza' do mundo". O que seria uma previsão pessimista (uma vez que, através desse objetivo da ciência, se concretiza a busca pela beleza) acaba por não confirmar-se, pois, quase cinquenta anos depois, David Lynch filmaria "O Homem Elefante", que se vale, no seu íntimo, praticamente da mesma fórmula. As "aberrações" estavam saindo da sociedade, mas ganhando o imaginário dos cineastas. Na minha opinião, outra característica interessante dessa abordagem da beleza que "Freaks" proporciona mora nos nomes dos "normais" Venus, Cleopatra e Hércules, que remetem a personagens historicamente famosos pela aparência.
O filme é cheio de sacadas geniais para registrar as duas correntes principais (a humanização dos "monstros" e a desumanização dos "normais") nessa "crítica da beleza". Madame Tetrallini, numa cena, diz que as supostas aberrações são nada mais do que crianças e, quando seus algozes vão embora, ela diz para que as crianças não tenham medo deles, como se, de fato, eles fossem monstros, mas merecessem respeito. Outra cena é a do arco final, onde o filme parece, realmente, ter status de terror (além, é claro, do desfecho de Cleópatra): ali, todos são monstros, assustadores, rastejando na lama em busca de vingança (engraçado como os amigos de Hans mais parecem mafiosos).
"Freaks" é uma pérola das décadas iniciais do cinema: em meio a filmes que pouco se arriscam, ele empolga ao colocar atores que são, de fato, "aberrações", sem apelar para maquiagens pesadas (talvez, pelo preconceito gerado, tenha sido tão boicotado, o que só confirma a teoria da busca pela beleza que ele aborda). O melhor de tudo é que tais personagens são tão carismáticos quanto qualquer ser humano "comum", e isso é o que realmente conquista: é impossível não simpatizar com o adorável casal de anões, com as irmãs siamesas e seus dilemas e com os outros, que brincam inocentemente, quase alheios a tudo. Aqui, a humanização funciona de forma brilhante. Sem dúvida um filme único, cativante e reflexivo.
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