O tema é batido? Um pouco, mas esse filme é prova de que é possível tirar algo de novo do espectador expondo-o aos sombrios tempos de segregação nos EUA. "Histórias Cruzadas" (a tradução não ficou tão ruim assim) prende a atenção de qualquer pessoa com um roteiro ágil, porém bem amarrado, falas bem pontuadas e reviravoltas tão marcantes que fazem você se levantar da cadeira e aplaudir a cena.
Se fôssemos analisar apenas os aspectos técnicos, já teríamos um excelente filme. A direção de Tate Taylor (surpreendentemente dirigindo a sua primeira obra) é muito boa, bem como o são a fotografia (charmosamente ambientada nos EUA dos anos 60), a direção de arte e o figurino. Mas um aspecto, indubitavelmente, se sobressai perante os outros: o elenco escolhido a dedo para interpretar as personagens tão carismáticas dessa história, composto, dentre outras, por Emma Stone, Bryce Dallas Howard e Ahna O'Reilly, que parecem ter saído de algum frame de "Mulheres Perfeitas". Aliás, esse elenco está concorrendo ao prêmio de Melhor Elenco no SAG Awards, que acontece dia 29, e tem todas as chances de levar. Por falta de espaço, vamos nos focar em apenas 3 dessas grandes atrizes.
Jessica Chastain está absolutamente fantástica. Se em "A Árvore da Vida" não lhe foi permitido uma maior locução (ou sequer um aparecimento), aqui ela dá um show à parte. Sua personagem, uma das mais importantes da trama, afasta (junto com a personagem de Emma Stone) qualquer possível maniqueísmo entre brancos e negros. Expõe-se com tanta inocência e fragilidade que é capaz de ir à porta da mulher que lhe difamou para se humilhar por uma amiga, amiga essa que encontra em Minny, empregada que a trata de igual para igual e acaba por cuidar dela como quem cuida de uma criança. É de Jessica uma das cenas mais dolorosas do filme, onde ela enterra mais um de seus abortos no quintal. Não fosse a competição com a sua também soberba colega de filme, Octavia Spencer, ela seria uma forte candidata a levar o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
E, por falar em Octavia, é possível dizer que ela está em seu papel de maior destaque. Vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante e provável vencedora do Oscar na mesma categoria, a atriz cativa qualquer um com seu típico jeitão de mal-encarada, pontuando alguns dos momentos mais engraçados de "Histórias Cruzadas" e aliviando um pouco a carga dramática da obra, mas sem ser uma personagem caricata ou alheia a tudo. Muito pelo contrário, ela é uma das que mais sofre, ao mesmo tempo em que é uma das que demonstra maior força. Claramente inspiradora.
Por fim, temos Viola Davis, sem dúvida com o papel mais sensível, representando uma mãe que tem cada uma das crianças que cuida como um filho, mas foi incapaz de proteger seu único filho biológico, fato que a martiriza por anos. A cena em que ela se despede de Mae Mobbley mais parece a cena de uma mãe tirada da única filha do que uma empregada tirada da menina que criava. O ar sóbrio e cansado de Aibileen é imprimido em cada mínimo gesto de forma magistral por Viola, que levou o Critics Choice Awards de Melhor Atriz e tem chances de desbancar Meryl Streep no Oscar.
"Histórias Cruzadas" pode até ter seus defeitos, como a trilha sonora claramente manipuladora, mas não é dado ao espectador a chance de notá-los. O filme, que se ambienta nos EUA segregacionista, surpreende pela atualidade de sua crítica ao falar de temas como a hipocrisia que domina as classes mais altas da sociedade estadunidense, que se acha isenta da culpa de seus maus-tratos no dia a dia só porque promove "jantares beneficentes para crianças africanas". Isso sem falar da pompa e pose que muitos lutam para manter, negando fatos e até seus próprios princípios. Se existe um mérito nessa história, é o de que ela serve para qualquer lugar e qualquer tempo nesse mundo em que vivemos.
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