“A Classe” soa como “Elefante”, de Gus Van Sant, sendo dirigido por Lars von Trier. O filme segue o molde de obras como “Dogville” e “Dançando no Escuro”, onde um personagem é vitimado pela coletividade na qual convive, mas é incapaz de esboçar qualquer reação. Aqui, o personagem é Joosep, menino que sofre bullying na escola, mas não possui em si o instinto de revidar. O rapaz passa a ser defendido por um dos meninos de sua classe, Kaspar, que antes era um de seus algozes, mas adquire consciência de seus atos após um incidente desagradável envolvendo sua namorada.
Sem esforço, o filme proporciona um sentimento de raiva a todos aqueles que o assistem e se compadecem da situação de Joosep, mas que estão impedidos pela tela do cinema de tomar qualquer atitude. Diferente dos brasileiros de sangue quente, os estonianos são claramente mais fechados e introspectivos (culpa do frio, talvez), de modo que não expressar seus sentimentos é normal. Assim, a rejeita de Joosep de contar a seus pais o que acontece diariamente em sua escola, ou mesmo de buscar ajuda, não precisa, necessariamente, ser taxado de covardia. Há muito mais de predisposição inata ao silêncio do que se pode imaginar.
O mesmo sangue frio corre nas veias de Kaspar, só que, aparentemente, um pouco mais aquecido. Ele não abre o jogo com sua avó ou com a diretora do colégio, que começam a suspeitar dele como o importunador de Joosep. Mas quando a violência praticada por Anders, o líder dos baderneiros da sala, passa a vitimá-lo, a questão se torna a defesa da honra. Ou seria esse, desde o princípio, o motivo da resistência? Afinal, Kaspar não parece crer que Joosep é um coitado, tanto que, quando pedido para não mais protegê-lo, ele o faz de prontidão. Kaspar confia em Joosep como homem. O que sempre esteve em jogo é o culto cego à liderança de Anders, que não é questionado em suas vontades por ninguém. Culto esse que leva ao triste episódio do abuso sexual na praia, com o reconhecimento, enfim, de uma das garotas, que aquela situação toda era doentia.
Com o espectador sedento de vingança, as duas vítimas se armam e rumam à escola para limparem seus nomes na proporcional medida em que eles foram manchados. “Quando se bate em outra pessoa, a sua mão cairá”. É a “lei de Deus”, ou a lei de Talião, que se ensina desde os tempos da Babilônia. Um sentimento antigo e compartilhado por todos, como se confirma na emblemática cena em que uma menina, ao sair do refeitório e encontrar na porta os dois rapazes armados, pergunta se deve ficar ou ir embora. Ela sente, como qualquer pessoa que assiste, o que os dois sentem, e provavelmente faria o mesmo se estivesse no lugar deles. Então, começa o assassinato em massa e cada uma das balas que não acerta Anders provoca mais raiva no espectador, que se pergunta por que ele não morre logo. Em “Dogville” acontece o mesmo. O filme faz quem o assiste sentir raiva e necessitar de catarse.
O final escapa por pouco do clichê massacre mais suicídio, que já era previsível desde que o pai de Joosep é apresentado como um sujeito que incentiva a violência e possui armas em casa, que muito bem poderiam parar nas mãos do filho para que ele fizesse “justiça”. Joosep se suicida, mas Kaspar não, reforçando a ideia de que toda aquela busca, para ele, se deu em nome da autopreservação (que inclui não só a defesa física, mas a proteção da honra), e, uma vez alcançada, não haveria razão para se matar. Já Joosep havia perdido a fé em si mesmo e nos outros, não só pelo que lhe acontecia na escola, mas pela falta de confiança dentro de sua própria casa.
Kaspar, assim, não soa tão nobre e heroico, e o filme escapa de maniqueísmos. Na sua busca em reparar o ego ferido, ele mata uma menina da oitava série que nada tinha a ver com a história. Anders não matou ninguém e, no lugar dele, não poderia ser qualquer outro, já que a vingança é algo tão natural no ser humano? Mas, no entanto, o bagunceiro paga com sua vida como indivíduo, quando ele é, na verdade, reflexo social de valores antigos. Pensar que “A Classe” fala apenas do bullying, do fácil acesso a armas de fogo e do desejo de fazer justiça com as próprias mãos é ser simplista. A classe da obra não é só uma sala cheia de alunos. É uma sociedade com um líder despótico prestes a passar por uma revolta armada, que, como todo conflito, resulta em baixas de inocentes.
Ótimo texto!