Planos extenuantes e longos, personagens lacônicos, roteiro de uma constância apática, fotografia P&B densa e um quase silêncio quebrado por poucos diálogos, uma única e melancólica música, além do cortante som do vento. Tudo isso poderia definir, à primeira vista, "O Cavalo de Turim", e, dessa forma, taxá-lo de filme insuportavelmente chato.
O filme cansa e ao mesmo tempo não cansa. Somos exauridos diante da aura criada por Béla Tarr, não pela "falta de acontecimentos" do filme, mas pelo aumento de sensibilidade proporcionado por todos os elementos que o compõem. Ao nos mostrar duas horas e meia de cenas praticamente cotidianas, Tarr nos quer fazer refletir sobre os menores atos que compõem a vida de duas pessoas (que, de tão comuns, poderiam ser um de nós).
Um pai, cujo braço direito não lhe serve (curiosamente, o braço simbólico da força) é auxiliado por sua filha em quase tudo, não demonstrando nenhuma gratidão. A filha, posta em seu lugar, é submissa, porém compreensiva. Dois personagens cujas sensibilidades foram varridas pelo vento. Resistem à rotina com a dureza que lhes cabe, são mais duros até que o cavalo, que desistiu de comer (viver) antes deles (na fatídica e dolorosa cena final).
A casa se configura num refúgio, para eles, do mundo externo, "a tempestade", aqui símbolo de toda a subversão humana castigada por Deus em forma de vento (e que fez da cidade ruínas - ruína moral?). Lá, intocáveis, são protegidos por seus rituais, expostos incansavelmente na trama. Até que, por influência externa (a falta de água), eles se veem forçados a deixar de contemplar o mundo através da janela e ir vivê-lo. E o tentam (na cena chocante onde a filha carrega a carroça no lugar do cavalo, a única que ainda possuía forças), mas acabam desistindo.
O filme inicia abordando um período da vida de Nietzsche, quando ele estava em Turim e, ao ver um homem espancando um cavalo, corre em direção ao animal e se debruça sobre ele, assim caindo em prantos. A ligação do homem e do cavalo do conto com o homem e o cavalo da trama fílmica é selada na cena, que, pra mim, é a mais triste de todo o filme, onde Ohlsdorfer espanca o cavalo, que recusa-se a andar e até derrama algumas lágrimas. É de partir o coração. Nietzsche permanece na trama, mas através de seu pessimismo é que se faz notado. Ou seria Ohlsdorfer a personificação de Nietzsche? Afinal este, após o incidente com o cavalo, permaneceu numa quietude quase demente, sob os cuidados da filha, tal qual o agricultor. De qualquer forma, o auge do pessimismo se dá no final destinado aos dois homens: tanto o bom, que se compadeceu do cavalo, quanto o ruim, que espancou o animal, passam seus últimos dias na solidão, sendo cuidados. Para Tarr, não importa o mérito de cada um, o fim será o mesmo.
A direção de Béla Tarr encanta, com planos longos, sensíveis, cansativos, porém muito bem feitos. A fotografia, sempre soturna (e aparentemente antiga), tem momentos de primor estético genial, como o da capa. Os atores estão em excelente forma, tendo em vista que é preciso bastante ensaio para compor planos tão longos sem errar.
Concorrente a uma indicação ao Oscar 2012 de Melhor Filme Estrangeiro, "O Cavalo de Turim" dificilmente obterá a estatueta, por se tratar de um filme muito experimental e conceitual, diferente dos padrões da academia. Se isso acontecer, deverá ser por conta do peso do nome de Béla Tarr e da sua "promessa" de que esse seria seu último trabalho. Premiações à parte, "O Cavalo de Turim" é um filme para se ver com paciência e atenção, por mais difícil e doloroso que isso possa ser, tanto pela sua estética complicada quanto pela sua realidade assustadora.
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