Apesar de ser um filme que abusa do silêncio, da repetição e dos planos extremamente longos (a junção disso dá uma constância que beira o insuportável e talvez essa seja a intenção da diretora), Sleeping Beauty não me causou sono, nem incômodo, e sim prendeu-me muito a atenção na espera de uma reviravolta, um sobressalto que fosse de Lucy.
Não vi todos os filmes de Emily Browning, mas posso dizer que essa é uma de suas melhores atuações, a julgar, primeiramente, pela idade da moça.
Apesar disso, ela ainda tem muito o que aprender: foi possível notar movimentos dela enquanto ela dormia, movimentos, aparentemente, de alguém que está acordado. Prestem atenção na incômoda cena do careca lambendo o rosto dela.
A direção de Julia Leigh é boa e segura, a quase total ausência de trilha sonora só contribui pro aspecto cru do filme, a fotografia está excelente, mas a direção de arte peca um pouco.
Mas o ponto polêmico da obra de Julia Leigh mora no roteiro, certo? Bem, Julia certamente não nos dá personagens estereotipados ou situações clichês: ao invés de vermos uma menina destroçada e que se prostitui por dinheiro, vemos alguém aparentemente sem remorsos, segura do que faz; ao invés de vermos cenas grotescas de sexo necrófilo, nos surpreendemos, de início, ao saber que a penetração é proibida dentro da mansão de Clara, fato que cria uma aura de erotismo finíssima (mais fina até que a exposta em "De Olhos Bem Fechados"), tão fina que chega a ser sinistra e é bem retratada pela festinha inicial (com as prostitutas vestidas de negro - aliás, podemos chamá-las prostitutas? Elas servem mais de decoração para o ambiente, uma inclusive está dentro de um quadro).
Aliás, a sacada daquilo não ser simplesmente um bordel, mas sim um lugar onde você pode reviver a sua juventude é muito boa e aí, certamente, a aparência infantil (e, por que não, imaculada?) de Emily Browning foi decisiva: certamente, muitos dos senhores ali tiveram fantasias com suas filhas quando elas eram menores e estavam lá para projetá-las sobre o espectro de Lucy. Será que isso não faz de Lucy uma princesa de contos de fadas? Não faz de "A Bela Adormecida" um conto de fadas macabro? Seja como for, o título não está lá em vão e dá margem a diversas leituras.
A roteirista usa do recurso da omissão pra aumentar a aura de mistério do filme (e talvez o tenha usado demais), dando margem para interpretações diversas sobre alguns fatos que permeiam a trama:
O maior deles, certamente, o final chocante. Após toda a gritaria, somos reapresentados à cena através de outro ângulo em outro momento: o que havia se constatado anteriormente era que o homem que acompanha Lucy havia se matado (e isso, aparentemente, havia sido combinado com Clara). Mas o que se pode depreender depois com a segunda cena é que Lucy também havia tentado se matar, só que essa hipótese se sustenta apenas com a respiração da atriz (e, como nós sabemos, em cenas de morte, os atores não conseguem parar de respirar, então respiram pouco - mas comparem os momentos em que Lucy está dormindo com a cena final: a respiração, nessa cena, é bem mais fraca). Uma vez que seu plano de morrer deu errado, ela surta. Afinal, não há príncipe encantado para essa Bela Adormecida, que busca motivação em drogas e sexo (e, por isso, não tem remorso em vender seu corpo).
A postura de cenas aparentemente desnecessárias pra mim serve ao propósito de nos "cotidianizar" com aquela personagem. O silêncio é necessário para a construção da aura fílmica. Faltou um pouco de atuação e coordenação, mas, considerando que este é o primeiro filme de Julia Leigh, não há pressa.
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