A ousadia e simplicidade de Linklater cativa! O diretor já demonstrou saber expressar a vida e suas virtudes e defeitos em seus filmes, principalmente em “Jovens, Loucos e Rebeldes” e “Antes do Amanhecer” (e seus sucessores). Mas o filme que consagraria essa romantização de um tema tão difícil de se abordar começaria a ser produzido em 2002, com um elenco não muito conhecido, sendo Ethan Hawke (um de seus atores preferidos) e Patricia Arquette as principais exceções.
O filme retrata a vida do garoto Mason desde seus 6 anos até os 18, quando entra na faculdade. Não acompanhamos somente o envelhecimento dos personagens; Linklater usou o mesmo elenco durante 12 anos de produção. Uma técnica semelhante ao que ele fez com a trilogia “Before”, na qual 9 anos entre os filmes seriam 9 anos na vida dos personagens. Mas em “Boyhood”, a ideia foi muito mais ambiciosa! O longa não possui nenhuma reviravolta ou algo parecido, o que causa muito receio em alguns telespectadores. Muitos acham o filme chato, sem graça, etc. Mas acho que uma frase definiria o que “Boyhood” quer nos passar: “É um filme sobre nada, sobre tudo, sobre a vida crua, sobre seus pequenos momentos.”
O que é a vida de um jovem? Geralmente é estudar, conviver com a família, fazer novas amizades, viver algumas aventuras, quebrar algumas regras, enfrentar os problemas pessoais relacionados aos fatores anteriores, etc. Nós não viajamos pelo espaço tentando derrubar um império; nem caçamos relíquias no meio da selva; nem perseguimos ou somos perseguidos por um serial killer. Vivemos uma vida banal, com alguns momentos que vão ficar guardados em nossa memória até o fim de nossos dias.
E é exatamente isso que “Boyhood” nos faz sentir: a impressão de que estamos assistindo a mesma coisa quando, na verdade, estamos passando mais um dia com a família Evans. Sempre tem algo novo, por mais que não pareça. Pode ser um jogo de futebol ao vivo, um acampamento com o paizão, uma briga familiar, uma festa com os amigos ou até mesmo uma distribuição de cartazes “Vote Obama” pela vizinhança. São muitas sutilezas que fazem você, telespectador, se ver dentro do corpo de Mason, como se muitos acontecimentos do filme já tenham sido vividos por você. Em uma briga, você se assusta ou sente raiva; em uma festa, você ri ou se emociona. São raríssimos os filmes que podem fazer isso tendo uma simplicidade gigante e uma duração bem longa.
Não posso falar de “Boyhood” sem mencionar a atuação de Arquette. Para quem viu ela bem jovem no tosquíssimo “A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos”, se impressiona ao presenciar um papel tão maduro da atriz, refletindo a vida de muitas mães batalhadoras. É visível de longe o amor que ela tem por seus filhos, fazendo tudo o que pode para dar-lhes uma vida decente. Não tem como não se emocionar com o discurso que Olivia Evans faz perto do fim, quando se despede de seu filho que vai para a faculdade.
Também não posso deixar de falar de Ethan Hawke, com aquele carisma gigantesco como o pai divertido, os namorados de Olivia, a irmã de Mason (filha do próprio Linklater) e até o próprio Mason que, desde criança, já sabia atuar muito bem, o que foi uma surpresa maravilhosa.
Enfim, a parte técnica do filme não traz tantas inovações, mas estão longe de serem ruins. O único quesito realmente bem-feito é a montagem. Estamos em uma cena e, sem que a gente perceba, já estamos em outro período da vida do menino Evans como se, em um simples desvio de câmera, o garoto já tivesse crescido, o que me fez lembrar daquelas frases bem clichês “Nossa, como você cresceu rápido!” Há também uma canção no longa que merece destaque: “Hero”, da banda Family of the Year, que toca na reta final.
“Boyhood” é uma experiência cinematográfica raríssima que merece a atenção dos cinéfilos e críticos. Você pode não apreciar a forma de como a história é contada, mas precisa reconhecer que é um filme sem igual. Uma verdadeira experiência “da infância à juventude”. Que Linklater continue fazendo seu ótimo trabalho!
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